ANNETTE E A MOSTRA DE SÃO PAULO 2021

Texto escrito por Diego Quaglia.

Capa de Cid Souza.

"Annette" chega hoje ao MUBI Brasil e deixo aqui um texto sobre ele junto com textos sobre os filmes assistidos na 45ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, respectivamente: ““What Do We See When We Look at the Sky?” (que chegará ao MUBI também), “Ahed’s Knee” e “Marx Pode Esperar”. 

Annette” (Leos Carax, 2021)

A experiência artística é algo tão particular e também vasto que o ato de apresentar a sua arte pode ser ao mesmo tempo uma exposição de vergonha, de ser visto como patético, mas também de uma intensidade na liberdade de criação, de fantasia e de se jogar dentro dos seus sentimentos sem medo, sem freios e abraçar que você está apresentando e o que você acredita enxergar. O constrangedor, a histeria e a entrega visceral passeiam de maneira constante dentro do grito de artistas ao se mostrarem. Na arte tanto a verdade quanto a mentira podem ser uma só de diferentes formas. A arte também pode servir como o refúgio de monstros como Henry McHenry (Adam Driver, excelente como o reflexo do “gênio problemático” que no final das costas é só um criminoso doente ocultando a sua própria auto–piedade, seus anseios de uma culpa que ele tem que verbalizar para se enganar, o medo de ser exposto, sua própria infelicidade e seus anseios perversos) se esconderem até que as apresentações e o grande show da vida acabe expondo esse seu lado mais sombrio, a monstruosidade da relação entre artistas e das suas famílias tocadas e destruídas por tudo isso. Todos os sentimentos são muito intensos e Leos Carax guia eles com a histeria, a exposição da perversidade e o encanto que um artista é capaz de oferecer. Arte que pode ser tanto a cura para oferecer vida e a arma para levar morte por onde passa.

What Do We See When We Look at the Sky?” (Alexandre Koberidze, 2021)

Alexandre Koberidze não fala diretamente de nenhum tema, assunto ou trama, ele trata de traçar um ensaio visual do que está ao redor, do que cerca, as questões que fascinam o seu filme: o amor e a paixão. Seja pelo o que for. E os mais possíveis. Seu filme muda a cada plano, a cada cena, sempre encontra um jeito diferente de traduzir e entender os sentimentos que trata do zoom até os reflexos, a claridade e a escuridão, assumindo um papel de reinvenção em uma direção de fotografia muito impressionantes e tão fascinante quanto o próprio filme que vai do vibrante até o mais poético. É uma experiência de abate visual tremendo. Sua mistura de imagem, ensaio, romantismo e literatura muito me lembra o cinema de Rita Azevedo Gomes com uma brincadeira propositalmente mais explicita de sua própria mistura, o que transmite exatamente as suas ideias: a extensão de algo (do filme de várias artes e do amor de diversas paixões como o futebol) e a mudança constante da vida sendo ela sonora ou estética.

Ahed’s Knee” (Nadav Lapadi, 2021)

O cinema que te persegue e se coloca entre o abismo de um homem e uma câmera. Não consigo deixar de ficar muito seduzido com todos os diferentes ângulos de frenesi na forma de filmar e narrar que o Lapid consegue chegar nesse filme: algo que acompanha tanto uma violência na sátira no seu humor e as camadas de crítica política que ele explora. A interpretação excelente do Avshalom Pollak é um ponto de encontro perfeito para tudo isso.

Marx Pode Esperar” (Marco Bellocchio, 2021)

Ato singelo de um mestre ou um jeito de reunir a família numa sessão de terapia filmada? Acho que meio que ambos, mas também um consciente momento de paz/respiro/descanso numa carreira que rejeita isso. Claro que com as várias obras–primas que o Bellocchio transforma em ficção tudo que ele documenta aqui tem um escopo e uma força que esse filme nem chega a arranhar, porém mestre é mestre, e ele consegue dar uma dignidade e uma beleza mesmo pra um projeto que seja um tanto quanto limitado por ir pra um enfrentamento mais padrão ao invés da complexidade de expor isso em suas outras obras, conseguindo um olhar sempre muito natural, bonito e contrastante na exploração que faz da dinâmica de seus familiares e agregados da sociedade italiana nesse grande melodrama que é a sua vida e que ele entende tão bem. Como ele mesmo diz é um passo necessário que ele quis dar nesse momento, e bom para ele.

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