LUCKY (JOHN CARROLL LYNCH, 2017)
Fechando a trilogia mais informal do ano com Logan,
Logan Lucky e finalmente Lucky, já adianto que o ultimo é o melhor dos três.
Esse filme conta a história de... Lucky (Harry Dean Stanton), um ateu de
noventa anos que passa por uma jornada espiritual e pessoal enquanto
acompanhamos a sua rotina diária e como ele lida com a sua inevitável morte.
O termo “character actor” é vital para Lucky. O
incrivelmente subestimado e saudoso Harry Dean Stanton além de ser um ator
fantástico em qualquer tipo de papel seja grande ou pequeno e em minha opinião
um dos melhores atores de todos os tempos, é basicamente o símbolo americano do
“character actor”. O que é o “character actor”? É basicamente o contrário e uma
estrela, ele é o ator que está em vários filmes que você assiste, você talvez
não saiba o nome dele, ele geralmente é só o coadjuvante e geralmente ele é um
ótimo ator. Harry Dean Stanton é o ator que melhor representa isso, desde muito
templo ele trabalha em diversos filmes com diversos diretores conhecidos
(basicamente a maioria dos grandes diretores americanos ou até estrangeiros
trabalharam com Harry), já teve chance de dar atuações espetaculares e mesmo em
filmes menores a sua presença sempre é hipnotizante. Nada mais justo então que o diretor de Lucky
seja o ótimo John Carrol Lynch, um dos melhores “character actors” da nova
geração com uma carreira vasta na TV e no cinema em sua estreia como diretor.
Lucky é uma carta de amor de John Carroll Lynch pra Harry Dean Stanton, de um
ator subestimado para o outro, e que baita carta de amor! Além de ser um
tributo apaixonado, o filme também é a despedida de uma lenda do cinema, seu
“canto do cisnes”, seu ultimo filme. E é uma despedida que faz jus á esse
artista maravilhoso conversando com a sua vida e carreira.
A direção de John Carro Lynch é precisa, competente
ao extremo aos seus propósitos, ele quer explorar o seu personagem principal e
o seu interprete ao máximo, por isso ele não se preocupa com invenções em
momento nenhum, Lynch tem uma proposta naturalista ao examinar esse homem,
muitos planos fechados e alguns planos detalhes são usados pra introduzir a
rotina de Lucky e passando disso a sua direção tem a intenção de extrair o
melhor dos seus atores e se focando nas suas atuações, e o filme tem muito á
oferecer nesse sentido.
A narrativa de é baseada em construir e retratar
cada pequena momento da vida tão extensa de um homem e em cada situação que ele
se coloca. O filme usa uma abordagem episódica pra retratar cada uma dessas situações,
e cada um dos pequenos momentos em que esse filme se passa são adoráveis, assim
como a forma silenciosa que John Carrol Lynch examina esses momentos é
deliciosa. O filme é um estudo de personagem puro e simples, conseguindo fazer
isso com maestria, uma mistura de Uma História Real (The Straight Story), com
Paterson e com um pouco de Viver (Ikiru) também. E é uma mistura que funciona
maravilhosamente bem.
O roteiro é um dos pontos fortes do filme
conseguindo trazer uma reflexão que realmente é profunda sobre assuntos como
religião e a falta dela, velhice, morte, solidão, morte, arrependimentos, amizade
e finalmente o ato de aceitar o seu destino. O ateísmo de Lucky não é usado
como foco do filme, ele é uma ferramenta no grande conflito interno do
personagem durante o filme e em toda a sua caracterização, sem jamais se tornar
a discussão principal do filme. Inclusive Lucky é um filme inteligente capaz
trazer questionamentos e pensamentos ricos, e mesmo assim nunca se tornar
pedante ou pretencioso. O ritmo de Lucky
é lento, mas isso está longe de ser um problema, já que os diálogos e os
personagens são tão fascinantes que é impossível você se cansar do filme.
O oeste americano é retratado pela fotografia de
uma forma simples, servindo muito bem ao retratar a beleza visual desse
ambiente e os seus tons arenosos. Além disso, ela também funciona ao retratar
todo a melancolia e o já citado naturalismo que povoam o filme. A trilha sonora
tocada pelo próprio Harry Dean Stanton em sua marcante gaita também funciona
maravilhosamente.
O elenco coadjuvante é uma verdadeira preciosidade,
cheio de grandes atores em personagens apaixonantes, divertidos e profundos.
Ron Livingston começa bastante divertido no primeiro momento ao reagir de forma
tão engraçada e assustada ao personagem de Harry Dean Stanton, e então ele
acaba se tornando verdadeiramente comovente ao retratar a historia desse homem
tentando de algum jeito estranho porém doce tentando se unir com Lucky. Eu não
me importaria em ter visto mais dele, mas isso pode ser dito sobre todos os
personagens coadjuvantes. Ed Begley Jr. é engraçado como sempre, sendo um bom
exemplo do seu timing cômico. Barry Shabaka Henley deveria ser dono de todos os
bares ou restaurantes em filmes (como já poderia ser visto em Colateral), de
qualquer forma, Barry consegue sem bem divertido em seus diálogos naturais com
Harry Dean Stanton. James Darren e Beth Grant são muito bons em seu pequeno
tempo de tela explorando o seu relacionamento como casal pela forma em que eles
balançam a sua doçura definitiva com uma espécie de dureza terrena. Um dos melhores momentos é o reencontro de
Harry Dean Stanton com o ótimo Tom Skerrit, seu colega de Alien, eu inclusive
não teria me importando em ver outros atores de Alien como Veronica Cartwright
e Yaphet Kotto no filme por exemplo. A cena com Tom é uma única cena
maravilhosa sem duvida alguma. Cada segundo de sua cena é fantástico pela forma
que ele traz um senso de verdade tão forte em cada palavra que sai da sua boca
e em sua própria historia, e ele ainda é incrivelmente emocionante, porque ele
descreve uma experiência tão dolorosa e assustadora de uma forma tão linda. Um
momento particularmente chamativo da sua atuação é quando ele vai de uma fala
nostalgia para ir entrando para algo mais profundo do seu passado como uma
brisa. Mas o maior destaque no elenco coadjuvante com certeza é David Lynch,
aqui mostrando todo o seu talento como ator e não diretor, alias o fato de
Lynch ter dirigido Harry em vários filmes e a parceria entre os dois se
transporta pra cena de forma belíssima, David Lynch tem momentos comoventes
fazendo esse personagem carente e desprotegido caminho no tragicômico usando o seu timing cômico formidável conseguindo ser hilário e mostrando um talento dramático surpreendente ao conseguir construir momentos de emoção.
E finalmente temos o grande trunfo do filme, Harry
Dean Stanton em seu trabalho final, claro que como é esperado, ele está
fantástico e dá uma das melhores intepretações da sua carreira. Mas é um desses
casos em que a ação real supera a expectativa de tão boa que ela é. Ele é a
força maior que faz com que todo esse filme funcione, ele com perfeição constrói
Lucky como um homem que está tranquilo por já ter tido uma vida vasta mas que
ao mesmo teme o seu fim que está próximo. Essa é uma interpretação humana,
pessoal, verdadeira, que mistura a própria vida e historia do Harry Dean
Stanton com a de Lucky. Isso a faz tão fascinante de ser assistida e é
basicamente um atestado final de um grande ator sendo grandioso mais uma vez. É
uma despedida por cima como poucos atores já tiveram ou terão. E que bom que um
ator como Harry Dean Stanton a teve.
NOTA: 10
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