IT – CAPÍTULO 2 (IT CHAPTER TWO, ANDY MUSCHIETTI, 2019)


R+E ❤️

Eu não sei o quanto de liberdade o Andy Muschietti teve com IT 2, mas parece ter sido um bocado. Depois do sucesso do primeiro IT que conseguiu equilibrar de forma competente e atraente o terror e a dinâmica de personagens num coming of age que é mais atraente pela identificação imediata com os personagens do que o terror em si, Muschietti volta para fechar essa saga indo pra segunda parte controversa do livro de Stephen King contando as histórias das crianças de Derry agora crescidos e tendo que enfrentar o fucking  palhaço do mal Pennywise (Bill Skarsgård, sempre muito competente) de uma vez por todas além de lidarem com os seus próprios medos, traumas, segredos, fatos mal resolvidos do passado e por aí vai.

Muschietti acertadamente tomou uma melhores decisões do longa: ao invés de repetir o tom de encanto que existia no terror do primeiro filme devido a ligação emocional entre o grupo principal, aqui ele abraça o tom cômico já presente de forma pontual no primeiro filme e o expenda transformando IT 2 em um verdadeiro “terrir” que tem plena consciência do seu próprio ridículo e brinca com isso. E isso funciona não só porque dá um tom muito próprio para o filme que já o diferencia do primeiro como também tem a ver com os seus personagens e é feito de forma tanto textual e visualmente bem engraçada em sequencias que realmente tem graça. É quase como ver o Sam Raimi indo do primeiro Evil Dead para Uma Noite Alucinante 2. Inclusive Muschietti consegue lembrar muito bem o tom cômico e autoconsciente do ridículo que Raimi tem nos seus filmes (e também um pouco dos terrores do Peter Jackson, do Joe Dante, do John Landis e outros por exemplo) onde se destacam sequencias como a do restaurante, o encontro com o próprio Stephen King, várias aparições de Pennywise, vários momentos isolados de Eddie e Richie (James Ransone e Bill Hader, de longe os grandes destaques do filme) e até comentários de metalinguagem e de referencia que fazem com que a explosão de referencias do filme tenham realmente graça e funcionem dentro da narrativa quase que o que Wes Craven (outra amplamente referenciado no longa com o seu Freddy Kruger servindo como espinha dorsal para Pennywise) e Kevin Williamson fazem na série Pânico.

Uma pena que essa não é a única camada de It – Capítulo Dois, o filme infelizmente deixa se afetar apesar das suas qualidades por uma camada extremamente inchada, repetitiva e bagunçada. A duração do filme por exemplo não se justifica, a maioria dos flashbacks com os protagonistas crianças não tem necessidade tirando um ou outro (destacaria as sequencias de Richie, Eddie e Beverlyn que realmente pegam o melhor do tom do filme) e acabam estando lá só para que as crianças do primeiro filme que fizeram sucesso apareçam. Isso acaba sendo desnecessário, rendendo sequencias repetitivas e tira tempo para que o elenco adulto seja mais desenvolvido. E isso num filme de quase três horas que deveria utilizar ao máximo o tempo que tem para desenvolver seus personagens e as suas tramas essa perde de tempo não se justifica de modo algum. O filme também cai naquele velho de achar que melhor é maior, particularmente no uso absurdamente exagerado de CGI, onde o único elemento realmente assustador de CGI para rejuvenescer os atores jovens.
Dito tudo isso o filme também caminha por essas camadas muito interessantes de tom que ele tem e consegue equilibrar isso individualmente com uma sensibilidade já vista no primeiro filme onde o maior exemplo desse ganho acaba sendo uma abordagem sobre homofobia e aceitar quem você é e a sua sexualidade e enfrentar a opressão e os seus medos de ser oprimido acabam sendo explicitadas de forma corajosa, inteligente e muito bonita. Muito mesmo. Em tempos que o preconceito leva homofóbicos a proibirem livros que apenas celebram o amor serem lidos isso é mais relevante que nunca e que bom que o filme deixa isso tão claro e de maneira tão bonita. Funcionando tanto para fechar uma discussão pesada feita no começo do longa quanto para desenvolver um dos seus melhores personagens.

Nessa abordagem um maravilhoso Bill Hader se destaca como a melhor parte do filme facilmente sabendo fazer o que ele faz de melhor: equilibrar o seu humor verborrágico e teatral de forma expressiva corporalmente com o seu carisma e somar isso com um retrato comovente entendendo de forma maravilhosa o drama interno do seu personagem se sentindo a vida toda obrigado a esconder quem ele é o amor da sua vida. E usando uma máscara para fazer isso. O filme soma isso a uma boa dinâmica de grupo dos protagonistas num elenco adulto onde todos tem química e funcionam num nível consistente, inclusive é uma pena que a dinâmica entre os personagens adulto não seja mais explorada por Muschietti e o roteirista Gary Dauberman (um já experiente cineasta de filmes e séries de terror da Warner), ao invés do filme sentir a necessidade de ficar pulando de forma desnecessária para elas crianças em cenas que na maioria das vezes parecem mais “fillers” do que qualquer coisa. O elenco inclusive está todo bem. Junto com o Bill Hader, o grande destaque acaba sendo o James Ransone. Ele está maravilhoso e é de longe o ator que mais emula perfeitamente o seu intérprete infantil, parecendo de verdade um Jack Dylan Glazer adulto. O espírito do Eddie está todo ali, tanto mostrando de forma poderosa o sarcasmo do personagem quanto o retratando a sua paranoia, o seu nervosismo e os seus problemas com insegurança. E a química que ele tem com Bill Hader é simplesmente fantástica e rende as melhores partes do filme, ambos simplesmente lindos.
A Jessica Chastain faz uma boa versão adulta da Beverlyn, uma pena que o filme não ofereça um material mais interessante para que ela possa se destacar de verdade (por exemplo o filme nem explora o relacionamento abusivo dela com o marido diferente do livro do mesmo jeito que deveria explorar a esposa do Bill que surge apenas numa ponta). Ela se dá bem com o que tem em mãos mas acaba sendo desperdiçada um pouco pelo roteiro. Existia muito tempo para se aprofundar a sua personagem, porém o filme não faz isso e quando o faz é pouco demais. Porém Jessica consegue dar um bom retrato do que talvez seja o centro de calma e serenidade dos Perdedores. O McAvoy parece um pouco apático nas primeiras cenas em que faz o Bill quase que no piloto automático, mas depois quando a gagueira do personagem volta ele consegue ir entrando mais e mais no papel de forma bastante interessante, somando tanto um timing cômico nas cenas mais alegres do filme quanto um retrato do “líder solitário” lutando contra a culpa que sente. O destaque porém acaba sendo mais dos atores menos conhecidos do que os astros. O Jay Ryan consegue se sair muito bem em momentos que dependem basicamente da sua sutileza e dele reagindo a algo, conseguindo ser mais do que o arquétipo do “ex–garoto gordo que ficou gostoso”. A química dele com a Jessica Chastain funciona muito bem e ele retrata bem a insegurança de estar no ponto de falar os seus reais sentimentos por ela e transmite com muita verdade o seu amor do passado que ainda não morreu. Inclusive pontos para o filme por eles ainda bem não mudarem o relacionamento dos dois só para prestigiar os atores mais famosos do filme. O Mike continua mal aproveitado porque a história familiar dele acaba não sendo bem adaptada e ele não tem tanto tempo de tela quanto deveria (o que é problemático DEMAIS), fazendo com que o Isaiah Mustafa se sai bem em construir as manias e a obsessão justificada do personagem, mas não podendo se destacar. A continuação agora usa e abusada do Bill Skarsgård como Pennywise quase cansando pela repetição (um dos maiores problemas do filme), porém Skarsgård consegue de forma competente repetir o papel entendo perfeitamente o tom engraçado e assustador do filme nessa crescente. E por mais que o Henry Bowers seja colocado no filme de forma jogada, o Teach Grant acerta em conversar com a crueldade sádica do seu intérprete jovem somando isso a um espírito maníaco caricatural que o tom assumido da continuação traz.

Com as recorrentes referencias de metalinguagem de finais ruins, o final do segundo capítulo acaba sendo melhor que o do livro. O que não é muito difícil. E é acaba sendo muito melhor que o final e toda a parte adulta da minissérie dos anos 90, que é tão boba, idiota e mal executada nesse aspecto. O final consegue lidar bem com as questões de nostalgia, lidar com o passado, como isso afetar o nosso futuro e enfrentar os nossos medos o que acaba criando um clímax melhor. Longe de ser perfeito, muito longe mesmo, MESMO, It – Capítulo Dois também está longe de ser um desastre conseguindo oferecer não só um retrato poderoso e corajoso até do equilíbrio de um “terrir” e de enfrentar quem se oprime a quem você é.

E um filme que vai de Peter Bogdanovigh pra Lost Boys merece o meu respeito.

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