GRETA GERWING E SUAS “ADORÁVEIS MULHERES” (“LITTLE WOMEN”, GRETA GERWING, 2019) | CRÍTICA

Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.

Em "Adoráveis Mulheres" ("Little Women") a diretora e roteirista Greta Gerwing pega um dos maiores clássicos da literatura norte–americana da escritora Louisa May Alcott para traduzir a sua própria leitura dessa obra em uma adaptação impressionantemente inteligente da vida cotidiana das Irmãs March (Saiorse RonanFlorence PughEmma Watson e Eliza Scanlen) em suas voltas entre passado e presente. A inteligência se deve porque a alma e o calor do livro estão lá mas Greta adiciona a isso um objetivo muito fascinante e próprio da sua autoria que é usar essa história pra expor seus objetivos narrativos e artísticos com inventividade e criatividade como numa estrutura não–linear pra não citar vários outros exemplos (e que sentido teria adaptar um livro já tão adaptado se não fosse de uma maneira diferente?).

Então Greta tanto no seu roteiro quanto na sua direção – ambos impecáveis – adiciona um tom moderno, bem-humorado, leve, sarcástico, sincero e caloroso criando um retrato do cotidiano até um reencontro entre os seus personagens com as suas pequenas e grandes alegrias olhadas com muita verdade. A mesma verdade para qual ela olha para as pequenas e grandes tristezas da vida com uma sensibilidade e verdade gigante que compreende essas tragédias e desilusões como engrenagens dolorosas da vida que não apagam o que tem de mais belo e gracioso nas relações humanas que cercam essas personagens e esse universo. "Little Women" vibra sinceridade e isso é lindo. É delicioso ver cada interação de todas aquelas personagens e principalmente das Irmãs March tanto pela química formidável de todas as atrizes quanto pela maneira como o relacionamento delas é abordado com tanta doçura. Assim como em "Lady Bird" Greta cria e filma seus universos, as suas heroínas e as suas personagens com bastante proximidade verdade, paixão e generosidade traduzindo para a tela uma gama de personagens humanos e cativantes que me lembra uma toada tão inteligente quanto otimista do cinema americano clássico digna de artistas como Frank Capra e Stanley Donen. 
Adoráveis Mulheres” concilia fidelidade e renovação | GaúchaZH
O cuidado extremo com os atores – todos ótimos dos maiores pros menores papéis em especial a dupla Saoirse e Florence geniais e impressionante duas atrizes que tem presenças de cena que poucos artistas das suas cenas tem, Saiorse consegue dar uma energia tão gigante pro seu papel com um apelo cômico tão atraente nos seus momentos de humor enquanto também consegue dar uma unidade dramática gigante na relação com cada um dos membros da sua família conseguindo dar uma complexidade tão verdadeira pros conflitos internos da sua heroína (a parceria entre Saiorse e Greta tem que continuar porque ambas funcionam maravilhosamente bem juntas) , enquanto isso Florence é brilhante mostrando porque é uma das maiores descobertas do cinema recente ela consegue de forma fantástica ir da petulância juvenil tão humana da Amy do passado dando um equilíbrio perfeito nos seus momentos mais extremos evocando uma energia infantil tão bonita e indo pro presente quando ela mostra o seu crescimento emocional ao mesmo tempo mantendo a essência de Amy e das suas várias contradições além de um Timothée Chalamet excelente como o jovem Laurie conseguindo ter uma química tão diferente quanto encantadora com Saiorse e Florence conseguindo capturar uma humanidade tão genuína pro seu personagem enquanto ainda temos uma encantadora Eliza Scanlen, uma Emma Watson na melhor atuação da sua carreira, uma Laura Dern ótima dando uma força emocional tão real de encantando pra mãezona das Irmãs March brilhando em todos os momentos que tem, além de Chris Cooper extremamente emocionante num papel pequeno, Meryl Streep conseguindo ser verdadeiramente engraçada num papel caricato sem cair no exagero e um Tracy Letts sempre camaleônico num tom engraçadíssimo –, a montagem clássica decupada no tempo exato de cada cena e inserindo perfeitamente os momentos entre passado e futuro para dar uma coesão emocional como na cena emblemática cena envolvendo o destino da jovem Beth de Eliza Scanlen, a fotografia belíssima na sua discrição criando tomadas que revelam o estado emocional daquelas figuras em voltas com suas relações com uns e outros como num momento emblemático entre Jo e Laurie, a imersão naquele universo tão cativante da trilha sonora do ótimo Alexandre Desplat, os usos inteligentes de figurino como nas trocas de roupas entre Jo e Laurie, direção de arte exata em criar um ambiente que praticamente fala junto com o filme e por aí vai engradecem e criam uma unidade para o experimento de um novo clima e de adaptação que Greta faz pra essa história clássica.

Greta consegue isso adicionando nessa sua inteligente leitura da obra um retrato das relações de mulheres com o dinheiro nessa época presentes nas relações de Amy com os seus pretendentes, das figuras femininas em lidar com uma difícil vida econômica e finalmente em como brinca com fatores como a necessidade de uma artista ter que ceder a indústria para ter a sua obra de arte feita, fazendo com que a sua Jo March reflita a sua própria criadora Louisa May como num espelho – e o impecável uso do ator Louis Garrell como um dos prendestes da protagonista também fornece a esse comentário pela cineasta conseguir criticar como “interesses amorosos” muitas vezes são só jogados em narrativas por serem jogados e ainda aplica a identidade física desse personagem dentro de uma perspectiva finalmente feminina o retratando como um belo jovem e não como um velho desinteressante –  para trazer um comentário metalinguístico em seu final glorioso numa ode que Greta promove das mulheres artistas e das mulheres que fazem parte do mundo das artes.

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