OLHAR DE CINEMA 2020: “A METAMORFOSE DOS PÁSSAROS”: FAMÍLIA, IMORTALIDADE E DESTINO (CATARINA VASCONCELLOS, 2020) | CRÍTICA

Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.

“As árvores sempre existiram?”.
“Há árvores que viram o pai e a mãe nascerem, e há árvores que viram os pais de nossos pais nascerem, e há árvores que viram os pais dos pais de nossos pais nascerem”.
“E nós temos muito tempo como as árvores?”.
“Acho que não”

Para todas as famílias do mundo. Desde a sua primeira cena é impressionante o domínio da cineasta portuguesa Catarina Vasconcellos da primeira até a última cena de seu filme de estreia, "A Metamorfose dos Pássaros", em dar uma força emotiva tão épica, tão forte e ao mesmo tempo tão singela e naturalista para cada pequeno momento e detalhe que filma e fazer com que tudo caminhe junto dentro das suas intenções. Catarina cria um jogo constante entre ficção e realidade para compartilhar a história da sua família ou pelo menos uma visão que reflita absolutamente tudo sobre ela. E quando eu digo “tudo” eu digo “tudo” mesmo, ela fala desses sentimentos e emoções imortais presentes em todas as famílias do mundo.

Tendo o pai, a avó e o pai como personagens centrais em sua narrativa, Catarina percorre longos períodos da historiografia dos seus parentes contando a história da sua gente, a sua história, com cartões postais, lembranças, fotos, recados, conversas, santinhos, brinquedos e os mais diversos objetos que se somam com planos detalhes e closes em corpos, mãos e pés, olhos, com a vastidão da natureza e dos ambientes que os cercam: a casa escura, a iluminação com velas, o mar sempre constante, o navio, as árvores, as frutas, os pássaros e as folhas e com diálogos que são trazidos na narração em off em mudança constante passando pela encenação, a ficção, o documentário e o real se utilizando até de detalhes que deixam essas questões ainda mais poderosas – a mudança de nome de um dos personagens centrais por exemplo – e só trazem um impacto que o longa quer por esse lirismo ensaístico e de filme–carta que unifica o filme todo.

Unifica todo um retrato de gerações apenas com o seu poder imagético e com a força da intimidade de seus diálogos, da sua voz e daqueles que busca, Catarina forma um elo de familiaridade com o espectador reproduzindo esse elo que existe entre a sua família conosco. Criamos um lenço com as memórias que percorrem aquelas pessoas, suas infâncias, suas vidas adultas, suas velhices, seu início, seu fim, suas lembranças mais profundas, suas perdas, suas tristezas, suas alegrias, seus afetos, sua rotina, seus amores, seus elos específicos, suas separações e seus reencontros.

Mães e filhas, pais e filhas, maridos e esposas, irmãos, netas, ficamos próximos de tudo aquilo. Enquanto isso antes de tudo o filme discute o peso da morte, mas também contrasta isso o tempo inteiro falando da imortalidade que percorre todos os elos familiares que nunca poderão ser apagados. Que são impossíveis de serem apagados. Que permanecem como a força da natureza (a grande metáfora do longa). Como árvores. Porém ao mesmo tempo é impossível que os seus corpos também estejam nessa posição. É desse alento e dor que “A Metamorfose dos Pássaros” fala o tempo inteiro e de uma maneira tão tocante e forte.

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