NA MIRA DO CHEFE (IN BRUGES, MARTIN MCDONAGH, 2008)
Rever um filme que você ama muitas vezes pode ser
algo prazeroso ou decepcionante. Com Na Mira do Chefe (In Bruges), um dos
filmes favoritos da minha vida, o resultado sempre é prazeroso. Esse filme
conta a historia dos assassinos de alugueis Ken (Brendan Gleeson) e Ray (Colin
Farrell) que são enviados por motivos misteriosos pelo chefe deles Harry (Ralph
Fiennes) para a cidade de Bruges, na Bélgica. Os motivos pelos quais eles estão
nessa cidade e a sua passagem por lá afetarão as suas vidas completamente.
O notável
no roteiro de In Bruges é que mesmo sendo o primeiro roteiro de Martin McDonagh
para um filme longa metragem, sendo bem especifico, ele ainda é o mais coeso em
termos de entender e referenciar o seu passado como dramaturgo no teatro, mas
também abrindo caminho para ele se tornar um cineasta o que faz o roteiro
extremamente cinematográfico com as suas pitadas teatrais. In Bruges, dos três
longas metragens de Martin McDonagh até agora, é o que melhor consegue
encontrar certo equilíbrio em pegar o que é ótimo nas peças dele, e refinar
isso para que funcione até onde o cinema possa alcançar. In Bruges obviamente
tem um diálogo que obviamente pode ser visto como verborrágico, estranho,
desbocado e rico, o que causou comparações com Tarantino, assim como com os
Irmãos Coen. Porém o estilo de McDonagh não é um imitador desses dois exemplos
porque diferente deles ele tem o seu próprio jeito de retratar essa
idiossincrasia técnica do seu estilo o que adere um senso de realidade distinto
que é especifico da sua voz como escritor e roteirista, e ele também adere um
senso de proximidade a nossa própria realidade o que faz com que o trabalho
dele não pareça excessivamente estilizado, isolado ou distante. In Bruges é uma
joia nesse sentido conseguindo ao se utilizar do mais puro absurdo e insanidade
de uma forma tão criativa para criar momentos tão maravilhosos, e hilários.
Seja conversas sobre alcovas, objetos inanimados ou tiroteios feitos da forma
correta, o filme contem algumas das minhas frases favoritas em termos de
diálogos. O que também deve ser dito sobre o longa é que ele contem alguns dos
usos mais articulados já vistos do palavrão trazendo um texto extremamente
desbocado e profano que consegue ser juvenil nesse sentido mas ao mesmo tempo
extremamente elaborado. Essa talvez seja o verdadeiro toque de mestre na arte
de McDonagh e que ele mais domine. O filme apesar disso não é uma serie de
conversas e estruturalmente o roteiro é particularmente brilhante e inteligente na medida em
que nenhuma faceta do enredo é em vão, é desperdiçada ou desnecessária. O
trabalho de McDonagh se sobressai ao conseguir criar artifícios que ele torna
tão naturais, se não realmente geniais, em sua execução. Um dos exemplo disso é
quando Ray dá um soco em um homem (Željko Ivanek) pensando que ele é americano,
mas na verdade ele é canadense, e quando Ray está deixando Bruges, ele é
obrigado a voltar ao reencontra o canadense. Harry acaba descobrindo onde Ray
está por causa de Eirik (Jérémie Renier), o rapaz que Ray deixou cego de um
olho ao agredi–lo e que foi humilhado por Harry por causa disso. Desses
momentos o meu favorito pessoalmente talvez seja a razão pela qual Harry acaba
quebrando a sua própria regra do seu código moral pessoal e como isso afeta o
seu desfecho, mesmo quando na verdade ele não esteja quebrando a sua própria
regra. Tudo isso junto já faria um filme que certamente seria muito divertido,
mas o que faz o roteiro dar o próximo passo para o caminho da grandeza é no
estudo da jornada pessoal de Ray lidando com a sua culpa por um crime
imperdoável. Acima dele estão duas forças que lutam entre si, uma quase o diabo
propriamente ou talvez mais como o Deus do Velho Testamento representado por
Harry exigindo uma punição rápida e impiedosa pelo crime cometido, ele está em
embate constate por um Jesus Cristo representado por Ken com uma crença tão
grande no perdão, arrependimento, na amizade e na bondade interna do ser humano
tanto que é capaz de potencialmente sacrificar a si mesmo pelo pecado de Ray.
Enquanto isso, Ray está aguardando em seu próprio purgatório pessoal
representado por Bruges enquanto luta com seus próprios demônios pessoais de
todos os tipos possíveis e de todas as maneiras também. Claro que qualquer
simbolismo em potencial no roteiro de McDonagh é um subtexto apropriado dentro
das riquezas dessa dinâmica executadas, estruturadas e elaboradas em todos os
três personagens principais que se desenvolvem durante o filme em grande parte
através das suas interações, em vez do filme recorrer à exposição ou algo
parecido. Esse estudo e o desenvolvimento no roteiro são baseados nos seus
personagens em pequenos e grandes momentos e é isso que faz torna eles
personagens tão fortes e tão poderosos. É claro que McDonagh mesmo quando vai
pro tom mais dramático da coisa ainda é capaz de adicionar o humor tão
facilmente através do seu domínio perfeito do diálogo e sabendo equilibrar as
duas coisas e mesclar elas. Uma cena em um parque envolvendo uma tentativa de
assassinato/suicídio é provavelmente uma das minhas cenas favoritas de todos os
tempos, porque ela consegue ser absolutamente comovente e emocionante ao mesmo
tempo conseguindo encontrar as palavras certas ao expor isso. É uma cena que
mostra bem como esse roteiro tem tudo que você pode esperar em um filme
fantástico, mas faz parecer ao mesmo tempo algo tão fácil com tão pouca
pretensão, mas com muita força e alegria.
E também deve se elogiar a excelente
direção de Martin McDonagh que impressiona muito pela sutileza e a exatidão de
mostrar o que ele quer do jeito que ele quer e como melhor soar pra narrativa,
é uma direção exata e muito bem construída ao se concentrar em sutilezas ao
lidar com um filme que mistura sutilezas com explosões de exageros e dominando
a forma que conduz essas cenas. Cada plano, por mais simples que seja, tem algum
sentido narrativo que McDonagh constrói com exatidão inesperada para alguém que
dirige o seu primeiro longa. E quando ele tem a oportunidade de explicitar o
seu talento como diretor ele o faz como na cena da torre que é uma aula em
questão de construção de suspense e tensão.
E claro temos a direção de atores o
que McDonagh faz fantasticamente bem e um elenco que honra isso, falando
especificamente do trio principal. Vamos começar falando dos nossos
protagonistas. Se Colin Farrell se consolida como um ator capaz e talentoso
aqui criando tanto energeticamente hilário tanto quanto consegue dar um
comovente retrato de culpa; o fantástico e subestimado Brendan Gleeson dá um
retrato extremamente único e comovente de um assassino de aluguel veterano que
é tudo menos de sangue frio, e ele também merece créditos por ser simplesmente
hilário especialmente devido à química com os seus colegas de elenco Colin e
Ralph Fiennes. Inclusive chegamos nele. Cada detalhe da interpretação de Ralph
Fiennes é incrível cada uma das suas cenas é sensacional porque ele consegue
ser tanto um vilão intimidador quanto um personagem extremamente hilário.
Além
disso temos a maravilhosa trilha sonora do ótimo Carter Burwell fazendo um uso
excelente de piano ao compor a melhor trilha sonora da sua carreira interessantíssima. Tudo isso em conjunto com a ótima direção de fotografia de
Eigil Bryld e a espetacular de Jon Gregory trazem o melhor pra cada ação visual
ou técnica que o filme faça. Cada coisinha ou grande coisa contribui para que
In Bruges seja o meu filme favorito dos últimos 10 anos.
NOTA:
10
Comentários
Postar um comentário