LOS ANGELES – CIDADE PROIBIDA (L.A. CONFIDENTIAL, 1997, CURTIS HANSON)

Baseado no romance homônimo de James Ellroy, escritor e ensaísta americano especialista em romances criminais, policiais e no gênero noir, Los Angeles – Cidade Proibida (L.A. Confidential) conta a história de três policiais (Russel Crowe, Guy Pearce e Kevin Spacey) completamente diferentes e ao mesmo bastante semelhantes que investigam uma misteriosa onda de assassinatos após um chefão do crime organizado de Los Angeles ser preso.

Quando James Ellroy vendeu os direitos do seu romance ele vendeu na esperança e certo que o seu livro nunca seria realmente adaptado porque nunca conseguiriam fazer isso pela alta complexidade da sua obra, era como se ele estivesse vendendo sua alma digamos, porém ao ver o filme, ele declarou estar impressionando com a alta qualidade da adaptação que conseguiu ser uma obra de arte por contra própria mas soube respeitar, manter e sintetizar toda a complexidade do seu livro. Agora como agora se ele estivesse recuperando sua alma. E ele não está mentindo. Los Angeles – Cidade Proibida não é apenas um dos maiores filmes neo–noir ou noir já feitos, é um dos maiores filmes já feitos na história do cinema.
O filme parece ter sido escrito no destino do seu diretor e co–roteirista Curtin Hanson, ele que apesar de ser um diretor interessante e até competente tanto ou depois na sua carreira, tanto antes ou depois de Los Angeles – Cidade Proibida entre filmes bem interessantes, bons, medianos e bem ruins nunca tinha feito um grande filme e nunca mais o fez depois de realizar a sua obra–prima inquestionável e máxima, mas em Los Angeles ele mostra como alguns profissionais precisam apenas de um projeto perfeito para mostrar todo o seu potencial. Mas como ele conseguiu isso? Bem, vindo de alguns suspenses que foram sucessos de bilheteria e público como A Mão que Balança o Berço (The Hand that Rocks the Cradle, 1991) e O Rio Selvagem (The River Wild, 1994), Hanson um profissional já amadurecido pelo seu tempo na área tanto dirigindo e escrevendo roteiros simplesmente trouxe a Los Angeles – Cidade Proibida tudo que um grande filme em teoria precisaria ter com uma inteligência impressionante em cada aspecto de sua realização.
O filme não é apenas tecnicamente perfeito, com a direção de arte de Jeannine Oppewall e a de fotografia fazendo um trabalho deslumbrante em reconstruir de forma fascinante, exata e detalhista aquela Los Angeles de década de 50 de uma maneira que você se sente naquele mundo. E a fotografia atmosférica de Dante Spinotti faz um trabalho deslumbrante em visualmente trazer várias cenas com um teor simbólico e cíclico nas suas imagens, o uso de sombras que ressalta o tom sombrio que cerca os personagens o que pode muito bem ser visto no incrível tiroteio final, o extremamente marcante desfecho do tiroteio ou na ótima cena do interrogatório envolvendo Ed Exley (Guy Pearce), a tensão, o equilíbrio exato desse tom sombrio com um ar visual propositalmente vibrante que acaba trazendo um tom de nostalgia e saudosismo da época e de imersão naquele universo que é sempre presente na fotografia que expõe essa Los Angeles “de mentira”, linda por fora, mas podre por dentro. A cena em que Bud White (Russell Crowe) conhece a prostituta e o amor da sua vida Lynn Braken (Kim Basinger) ressalta bem isso: vemos Bud sendo exposto pela primeira vez pela imagem belíssima e angelical daquela mulher que tanto o encanta e fascina logo de cara, mas internamente, logo percebemos que aquela mulher além de fugir de um ideal claramente e comumente considerado angelical, ela tem o seu próprio lado sombrio e está longe de se encaixar numa figura idealizada e simplista que Bud pensa pela primeira vez, mas também está longe de ser um arquétipo maniqueísta ou uma pessoa sem coração. Essa cena visualmente não apenas reflete a dinâmica de Bud e Lynn, como também a própria Los Angeles e o ponto central do filme: todo mundo tem dois lados.
Mas a brilhante e inteligentíssima direção de Curtin Hanson é um dos pontos mais responsáveis pelo sucesso do filme e também funciona como algo extremamente atmosférico. Ele não é apenas sábio ao ponto de se cercar de bons profissionais, mas Hanson do começo ao fim do filme te insere naquele universo criado com tanto cuidado e com tamanha força que o publico não apenas se sente imerso na Los Angeles dos anos 50 como também vai ficando mais e mais fascinado com ela que não quer mais sair de lá. Os enquadramentos, a condução dos planos, a movimentação dos atores em cena, os movimentos em cena, a estrutura de cada cena, as rimas visuais que ressaltam as rimas narrativas, cada aspecto técnico da direção de Hanson é preciso de uma forma impressionante para o filme, a direção é extremamente segura dando um ritmo implacável a história e um sentimento de tensão que só vai crescendo com o passar da narrativa do filme chegando a ápices de fazer qualquer um ficar de queixo caído como a cena que “consagra” Ed aos olhos dos seus colegas e o já citado tiroteio final do filme.

E claro também temos o magnifico roteiro escrito pelo próprio Curtis Hanson e o roteirista e cineasta Brian Helgeland, que depois como cineasta teria uma carreira também irregular onde os destaque seriam o muito bom Coração de Cavaleiro (A Knight’s Tale) e o ok Lendas do Crime (Legend). O roteiro é simplesmente uma aula de como estruturar um enredo complexo, cheio de detalhes, personagens e reviravoltas em uma narrativa que lembra obras–primas como o roteiro de Robert Towne do também fantástico Chinatown de Roman Polanski. É impressionante como o enredo do filme não é confuso, os únicos momentos de confusão estão intencionalmente colocados no filme pra despistar o olhar do público, porque ele consegue deixar claro cada detalhe que precisa deixar, recheando o filme de dicas sobre o enredo, enquanto mantem o fascínio em volta de toda essa história. O roteiro do filme estimula o espectador a chegar ao próximo ponto das reviravoltas, dos plots twists, dos mistérios, ele te deixa mais empolgando do que te deixa aborrecido porque além de estruturar esses mistérios de forma coerente ele não depende apenas dele na sua narrativa, mas quando as reviravoltas acontecem os impactos são totais, incluindo uma das maiores do cinema no final do segundo ato da obra. O roteiro ainda consegue ser bem inteligente adicionando doces de um humor bastante sarcástico e algumas muitas de humor negro que funciona muito bem pelos seus ótimos diálogos apesar do material do filme ser essencialmente tão sombrio e pesado, o momento de “Ela é Lana Turner” por exemplo é o melhor de todos esses momentos.

E agora o roteiro não é apenas perfeito pela maneira que ele desenvolve o seu enredo, mas também pela maneira que ele desenvolve os seus personagens e cria personagens tão bem construídos. Os três personagens principais: Bud White, Ed Exley e Jack Vincennes (Kevin Spacey) são brilhantemente bem escritos. O roteiro aos poucos faz com que a gente conheça com precisão as imagens que esses homens cultivam superficialmente para depois começamos a conhecer mais e mais eles profundamente, as suas camadas, complexidades e então entende–lós. Tanto como policiais e seres humanos, temos um registro completo de quem eles são. Os três são personagens extremamente fascinantes e se tornam ainda mais quando os seus valores conflitares entram em conflito, ou então colidem em objetivos comuns.

E o roteiro também impressiona pela sua total falta de maniqueísmo e a sua complexidade ao abordar esses personagens. Nem Bud, nem Ed e nem Jack são mocinhos ou vilões, são personagens altamente humanos e complexos que você simpatiza em um momento e despreza em outro, mas sempre consegue entender. O filme fala muito bem da camada superficial em que conhecemos o ser humano, e uma camada interna na sua vida privada que não conhecemos. Bud é extremamente violento por essência, tem sérios problemas de raiva, é grosseiro, bruto, ignorante e é um valentão, mas também se mostra alguém com um lado verdadeiramente doce, sensível, educado, alguém que ama verdadeiramente e de forma pura Lynn sem se importar com o seu emprego, alguém que não a julga nunca, alguém que é um fruto de uma sociedade violenta e toxica que o cria para depois usá-lo, é traumatizado com uma vida trágica horrível que lhe modificou, tem um desejo genuíno e extremo de proteger mulheres da violência graças a esse trauma, acaba sendo confrontado com a possibilidade de se tornar o que ele mais odeia, mas dentro de si, em essência existe algo de muito bom e humano deformado pela vida. Ed é um carreirista, almofadinha, arrogante, ambicioso, pedante, invejoso, muitas vezes frio, aproveitador e hipócrita, é capaz de quase tudo para subir na vida, porém também existe uma moral e algo de bom dentro dele que o impede de atravessar todos os limites. Por trás do seu egoísmo, existe alguém que tem ideais sinceros e até uma visão do mundo mais progressista que os seus colegas. Visão essa que não é mentirosa e faz com que ele se torne um alvo fácil. Alguém que também  sofreu um trauma e nunca se recuperou dele. Alguém que tem a sua fachada fria sendo retirada durante o filme e se humaniza, é um solitário no final das contas, mas que também é confrontado com a chance de se tornar tudo que ele mais odeia, ao mesmo que ele consegue expor um pouco desse seu lado melhor que ele tem dentro de si. Bud e Ed são faces da mesma moeda, ao mesmo tempo são criaturas extremamente contrarias superficialmente, mas extremamente semelhantes essencialmente, por isso que o ódio inicial que eles sentem um do outro que vai se desenvolvendo até uma conexão muito forte. O que faz com que eles sejam um dos melhores relacionamentos do cinema, muito também pela excelente química entre os atores. E Jack é alguém cínico, sarcástico, desinteressado, amoral, vaidoso e até corrupto, mas que acaba mais e mais mostrando que o seu desinteresse inicial é apenas uma “fachada”, Jack vive preso em seus próprios demônios, questões internas que ele tenta a todo custo reprimir, acaba se afundando em um auto–ódio, culpa e uma auto aversão que surge após anos sendo ignorada e então percebe o quão perdido ele está e tenta compensar numa tentativa de arrependimento e redenção. Camadas e mais camadas podem ser encontrados nesses personagens e até em Lynn, que por trás da sua fachada fria e firme, esconde uma mulher cansada e insatisfeita do universo em que está, que só deseja sair dele, que não quer mais ser um peão na mão de homens que ela despreza e que acaba encontrando um amor sincero na sua jornada. Amor esse que quase é destruído pelo universo em que ela está inserida e pela horrível natureza de Bud colocada pela sociedade e que vem a tona em um momento de extrema emoção, causando a dor dela e a culpa de Bud ao ser confrontado que por um momento ele agiu como aquilo que ele mais odeia. São personagens muito bem escritos, muito bem construídos, muito bem desenvolvidos, colocados no filme em situações em que eles conseguem expor todas as suas complexidades.
E o excelente elenco do filme também é preciso em expor a grandiosidade desses personagens. São ótimos personagens em sua maioria com grandes atores em grandes atuações em mãos e todos extremamente bem dirigidos por Hanson, um hábil diretor de atores. Os protagonistas Rusell Crowe e Guy Pearce estão perfeitos: Crowe está fantástico e é uma verdadeira força da natureza ao mesmo tempo bruta e emocionante em compor a dessecação lenta da essência de Bud, um policial motivo em fazer o bem a qualquer custo do seu próprio jeito, não se importando com os meios, o como e com os limites disso. E Pearce também está fantástico em compor a dessecação lenta da essência de Ed, um policial também motivo em fazer o bom, só que apenas o bem seguindo as leis e se ele poder crescer na vida com isso no processo, melhor ainda, porém o que é magnifico na intepretação dele é como ele consegue expor a desconstrução dessa sua tática como policial e as camadas presentes no seu personagem, assim como Crowe. Os dois atores viviam momentos das suas carreiras bem semelhantes já que nesse filme viviam os seus primeiros personagens de destaque nos Estados Unidos depois de deixarem a Austrália (onde Crowe inclusive já estava fazendo uma carreira de sucesso e tinha chamado a atenção de Hollywood e onde Pearce já havia também chamado atenção depois de Priscila, a Rainha do Deserto). Assim como os seus personagens, as suas interpretações, uma extremamente mais contida e naturalista mas consegue expor tudo sutilmente pelas suas expressões (Pearce) e uma extremamente mais expressiva, visceral e também sensível (Crowe), também são espelhos uma da outra. Isso sem falar da química que ambos os atores compartilham em tela. Do outro lado, temos um Kevin Spacey (mais conhecido hoje de forma justa como Christopher Plummer) no auge da sua carreira após vencer o seu primeiro Oscar em uma das suas melhores atuações, ele está incrível e extremamente divertido vivendo esse policial pomposo mais interessado em ser uma celebridade do que ser um detetive, mas também consegue dar uma interpretação comovente do homem que começa a perceber o quanto ele se perdeu na vida e os seus próprios erros. O sempre ótimo e subestimado James Cromwell depois de ser indicado ao Oscar de ator coadjuvante por sua ótima atuação em Babe (1995) também está incrível aqui fazendo uma particularmente inteligente e bem executada subversão do arquétipo do velho e simpático mentor e da figura paterna, também ajudando em uma inteligente decisão de casting do filme, funcionando tanto para os dois protagonistas como também para expor a ideia principal do filme sobre Los Angeles e do ser humano. O estilo de interpretação particular de Danny Devito também funciona perfeitamente na composição do seu personagem, um desprezível jornalista de tabloides que de proposito gosta de um exagero. Devito consegue expor muito bem o superficial divertido e até simpático do seu personagem, mas de forma muito eficaz consegue aludir aos seus objetivos mais maléficos. Até David Strathairn com o pouco tempo de tela que tem, é uma figurante impactante e marcante pela composição precisa que faz ao seu personagem. Só mesmo a atuação de Kim Basinger deixa muito a desejar, não conseguindo retratar com precisão toda a complexidade da sua personagem e caindo em uma intepretação fraca, apesar de sua boa química com Crowe. É até um absurdo pensar que ela foi a única atriz do elenco indicada e que ganhou um Oscar em um elenco cheio de pelo menos quatro intepretações que mereciam mais serem indicadas. Mas mesmo com esse ponto fraco, por mais que ela esteja fraca, ela acaba funcionando no contexto geral do filme por ele ser tão forte em todos os seus outros aspectos, em nada o filme é prejudicado por isso em sua grandeza e muito menos o seu elenco.

Por tudo isso Los Angeles – Cidade Proibida é um filme que consegue ir inclusive muito além de se apoiar em apenas um enredo de filme noir fascinante ou um roteiro extremamente inteligente e genial, consegue ir além de uma recriação criativa, com muito clima, relevante, profunda e forte de Hollywood, do mundo das celebridades, do lado sujo da imprensa, de escândalos com a máfia, de escândalos sexuais, da politicagem, da violência e brutalidade policial, do racismo na polícia, da violência internalizada na sociedade, da violência contra mulheres, de uma sociedade machista, homofóbica, de crimes sexuais, da corrupção policial, entre muitas outras coisas, e te oferece também uma experiencia verdadeiramente emocional e imersiva num universo extremamente palpável e bem criando; e em grupo de personagens que você consegue completamente entender e investir, percebendo com precisão os dois lados de Los Angeles e os dois lados de todos os seus personagens num filme extremamente que tem esse com o seu tema central executando isso tudo de forma extremamente artesanal, onde todas as partes parecem empenhadas pra que o filme funcione, onde tudo e todos, onde cada elemento, trabalha perfeitamente e em harmonia criando uma das maiores obras–primas do cinema.

NOTA: 10

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