ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO (BEFORE THE DEVIL KNOWS YOU'RE DEAD) | CRÍTICA


Nada como um assalto trágico para expor o fracasso total do patriarcado.

Atingir um senso de realismo cinematográfico e de se camuflar em diferentes estilos, tons e assumindo os maiores riscos possíveis em função não de transformar o filme a seu favor, mas sim de se transformar em favor do filme, são questões primordiais do cinema de Sidney Lumet. É lindo que “Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto” (“Before the Devil Knows You're Dead”) tenha sido o seu filme final desse visionário porque funciona como uma espécie de fechamento e um canto do cisne da sua carreira. Aqui vemos um diretor totalmente maduro e com um domínio impecável da história que tem em mãos aos 82 anos de um jeito extremamente maduro e com um vigor que é surpreendente. Um assalto frustrado e trágico planejado por uma dupla de irmãos traz à tona feridas familiares gigantescas e que explodem como uma avalanche. Coincidências, melodrama, Shakespeare, a tragédia no seu total, idas e voltas no tempo e mudanças em postos de vistas (se focando em três deles) poderiam dar um sentimento de estranhamento e de truque muito forte, porém ele consegue de uma forma tão forte fazer com que tudo se equilibre perfeitamente e levar todos esses elementos para o retrato de uma família sendo consumida em torno do inferno em que velhos ressentimentos são expostos a um nível de explosão.
A direção de Lumet é tão segura entre o sóbrio e o ágil na movimentação intensa daquele enredo que se joga ao máximo em explorar pontos centrais da sua carreira: como o realismo na condução da atmosfera que expõe o interior mais denso dos seus personagens. Seja na trepada de quatro entre o Philip Seymour Hoffman e a Marisa Tomei enquanto ele se olha no espelho na cena inicial que expõe não apenas um egocentrismo egoísta e machista do nosso protagonista narcisista mas uma necessidade de objetificar a sua belíssima esposa troféu para assim conseguir atingir uma espécie de afirmação da sua masculinidade e superioridade querendo esconder as suas inseguranças tão graves e escondidas e falhando pela total superficialidade, o trágico e realista retrato do assalto, a pulsante sequência em que a câmera segue de uma maneira frenética os dois protagonistas abraçando de vez o fundo do poço em que se colocaram e os closes desesperadores na face de um Albert Finney que vai do comovente ao assustador em decidir duas decisões vitais ao estar cercado em quadros que vão se fechando com os seus filhos, família e com o seu filho mais velho num final genial.

O roteiro é tão impecável em usar as suas várias viradas de trama para apontar o tecido frágil e triste desse drama familiar e fazer um verdadeiro estudo de relações toxicas masculinas. Partindo de brincadeiras com o exterior e o interno. Em como a ideia de que Andy é o irmão de sucesso e Hank é o fracassado acabam sendo subvertidas ao percebemos o quão Andy é ainda mais perdido que Hank porque as suas feridas emocionais são escondidas e extremamente internas. Por debaixo da sua frieza e do seu comportamento superior e cínico, o Andy de Hoffman se revela um homem extremamente inseguro, viciado em drogas e que não consegue lidar com o sentimento de nunca ter se conectado emocionalmente com o pai ou se sentido incluído na sua família por inseguranças que tem haver até com a sua aparência e peso. A falha em lidar com as suas inseguranças acabam que quando elas sejam externadas levem Andy a um surto emocional que o colocará de cara com um abismo. Enquanto o Hank de Ethan Hawke é um homem como uma mentalidade tão infantil por ter sido mimado sempre que é incapaz de ter domínio em qualquer situação na sua vida sendo dominado por aqueles ao seu redor e as suas próprias inseguranças que são muito perceptíveis principalmente ao falar de questões de maturidade e intelectuais. Se Andy é a frieza que desmorona, Hank é a força emocional que entra em completo parafuso e desespero. Ambos os irmãos Hanson se completam nas relação de amor e ódio em suas próprias inseguranças, parceria e colapso emocional que é perfeita pela química espetacular que Hoffman e Hawke dividem em cena. Não menos importante temos o Charles de Albert Finney que é essa força patriarcal ao mesmo tempo carinhosa mas extremamente distante emocionalmente e dura. A distância emocional e exigência comportamental imposta por Charles levam que ele e os seus filhos homens entrem num total desgaste emocional que explode e aparece em uma perda de alguém em que ele é tão dedicado que devasta a sua vida.
O roteiro é perfeito em expor as fragilidades desses homens e escolhe isso de um jeito muito ousado somada a direção certeira de Lumet e ao trabalho impecável e já conhecido dele com atores (que se apresenta até no casting fazendo com que a semelhança física entre Finney e Hoffman ressalte ainda mais a distância emocional entre ambos muito devido deles serem extremamente parecidas como um espelho um do outro e por isso não considerem se entender). Enquanto o intenso Hoffman e o mais do que maduro Finney estão excelentes num confronto emocional e familiar de proporções especas um ótimo e subestimado Ethan Hawke é o ponto de equilíbrio entre as explosões que movem os três personagens centrais que se chocam durante um ato final eletrizante e nervoso. É um desses grandes trios do cinema abrilhantando por uma habilidade magica de Lumet em fazer com que cada peça do seu elenco tenha algo a apresentar.

Toda a trama do filme é extremamente pessimista, depressiva, um soco no estomago e assumindo tons de uma tragédia grega mesmo (especialmente no seu impactante final) se equilibrando perfeitamente com esse melodrama familiar sobre homens quebrados. A união entre todos os aspectos seja a direção, o roteiro e os atores se somando ainda com a montagem que consegue criar vai e voltas narrativos numa trama nãolinear e viradas tão atraentes ao mesmo tempo em que a trilha sonora fantástica do Carter Burwell (o melhor compositor americano da atualidade) pontua essa crescente tragédia além do crescimento infernal que os personagens atingem.
No final vemos o encontro entre o fruto e a raiz. Quando o fruto é estragado, tudo desmorona com ele. Tudo vai para o inferno. A raiz inclusive. Porque tudo é consequência de uma plantação que começou podre.

Filme impecável. Saudades do Lumet.

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