O PORTAL DO PARAÍSO (MICHAEL CIMINO, 1980) E SEUS TERRITÓRIOS

“Eu sou uma vítima da minha própria classe, Jim”.

Texto de Diego Quaglia

Capa de Deivid R. Purificação

O que o território cria, o território toma, devolve e desmascara. Cada momento seja ele pequeno ou grande é um sopro de genialidade num filme que não para de crescer e crescer junto com a sua própria narrativa que quer desmascarar.

O que acaba acompanhado esses personagens são as manifestações daquele território onde o filme existe: a nevoa e a fumaça são destacadas sempre naquele lugar principalmente em uma cena belíssima em que o vilão interpretado por Sam Waterson desaparece e é engolido no meio da nevoa. Aquela vastidão monumental e tudo que habita nela engole o que está ao seu redor: ao mesmo tempo que o verde, as árvores, os bichos, o azul do céu, as ondas, o mar, a iluminação com velas, com o fogo, com os abjures, tudo isso gera uma construção cênica belíssima em todas as sequencias do filme seja ao céu aberto ou deslocando os personagens em cenários fechados gigantes cheios ou vazios, mas na verdade por dentro dessa beleza o que se esconde são personagens que estão muitas vezes sujos fisicamente e desolados por onde estão e quem são, presos num lugar onde a violência é nada mais ou além do que crua e visceral com a câmera correndo e bailando ao redor deles.
O que pode brilhar aos olhos são coisas como a sequência de introdução do personagem de Nate (Christopher Walkenurgindo em sua totalidade como uma sombra naquele lenço até que a câmera se fixe no buraco da bala que ele fez nele enquanto o personagem emerge naquele território e deixa o rastro do assassinato por trás, mas isso é apenas um momento no momento de tantos. Seja ele o começo na universidade, o reencontro de Jim (Kris Kristofferson) e Billy (John Hurt), o aniversário de Ella (Isabelle Huppert), Jim na rinha de galos comandada pelo personagem de Jeff Bridges, o trágico ataque no esconderijo de Nate, a reunião dos imigrantes, o embate derradeiro prometido o filme inteiro e a por aí vai.
E quem são esses personagens? Todos são bêbados, prostitutas, assassinos de aluguel, bandidos usados pelos interesses de poderosos, vilões nada nobres, imigrantes abusados e que lutam, miseráveis ou fazendeiros desumanos, representantes dos ricos desumanos com tradição, estirpe e perversidade, eles com suas diferenças e semelhanças são todos partes daqueles que sempre são ignorados, rejeitados ou então que nunca são desafiados de tal maneira.

Tem um curto e excelente momento bem simbólico disso em que o imponente e aparentemente austero major (Ronnie Hawkins) que comanda as tropas contra os imigrantes mostra a sua bunda aos seus adversários para provoca–lós como se fosse um adolescente imbecil enquanto a batalha ocorre, o que apenas causa o espanto e o desprezo de Jim que comenta com pesar o fato dele ser “amigo do presidente”. Estão ali os representantes dos ricos e do exército que não responde ao que eles mesmo criam desmascarados. Um dos maiores exemplos disso é que por trás de uma rigidez daquele ambiente e época existe uma libertação sexual e afetiva cheia de humanidade que não responde a preconceitos no meio do embate entre os patrões e o proletário.

Não existi exposições para entendermos de cara logo na apresentação ou nos primeiros momentos os laços, as relações e quem são aqueles personagens: só existe a atenção do filme em usar cada cena para passar seu tempo com aquelas figuras dizendo tudo isso com o desenrolar do longa num roteiro e direção inteligentíssimos ilustrando bem como existe uma habilidade que abarca tudo aquilo e todos ao seu redor. Abarca um território inteiro em sua essência no mais genial dos filmes de um gênio como Michael Cimino quem em 1980 tomou um mundo todo e nós só temos a agradecer.

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