CAPITÃ MARVEL (CAPTAIN MARVEL, ANNA BORDEN E RYAN FLECK, 2019)

O fato de Carol Danvers/Capitã Marvel (Brie Larson)
surgir na Terra caindo em uma Blockbuster não é apenas simbólico para
estabelecer o tom dos anos 90 do longa, mas também para servir como metáfora
para a situação dos diretores Anna Boden
e Ryan Fleck. Vindo de bons dramas ou
boas dramédia do cinema independente americano, de “Half Nelson” (2006),
“Sugar” (2008), “It's Kind of a Funny Story” (2010) ao ótimo “Mississippi
Grind” (2015), todos os filmes da dupla falam de estudos de personagens
sobre personagens perdidos e tentando se encontrar com dificuldades internas e
externas mas também com ajuda externa e uma descoberta de auto–conhecimento.
Por isso parece estranho eles dirigindo logo de cara um grande blockbuster da
Marvel. Mas ao olhar mais de perto a escolha de ambos para dirigir “Capitã
Marvel” (“Captain Marvel”) faz muito mais sentido do que parece. Carol
tem suas coisas em comum com figuras do mesmo universo da dupla especialmente
em seu arco narrativo: como o professor viciado em drogas que se torna um
mentor inusitado (Ryan Gosling em
Half Nelson), o jogador de futebol americano que vai ter que enfrentar o
racismo e diferenças culturais para alcançar o seu sonho (Algenis Perez Soto em Sugar), o jovem com problemas emocionais que
vão de depressão, para ansiedade e pensamentos suicidas (Keir Gilchrist em It's Kind of a Funny Story) e até uma dupla de
viciados em jogos (Ben Mendelsohn e Ryan Reynolds em Mississippi Grind), ela
tem em comum com eles estar perdida, partir para uma jornada pessoal de se
descobrir e ao tratar de seus anseios internos e da realidade/sociedade em que
ela está inserida descobrir ligações e um coletivo com outras pessoas enquanto
a narrativa nunca abandona o foco em seu crescimento pessoal.
Uma das coisas mais funciona em Capitã Marvel é como o roteiro escrito pela própria dupla de diretores com colaboração de Geneva Robertson-Dworet além do argumento de Nicole Perlman e Meg LeFauve, todas mulheres, subverte de forma inteligente a estrutura de “filme de origem” diferenciando a narrativa dele do que é usual nesse estilo de filmes e trazendo elementos externos pra ele, fazendo que a jornada de auto–conhecimento de Carol e o seu senso de estar perdida para se encontrar sejam bem convincentes. O filme não chega a se aprofundar em tema nenhum e nem no seu passado, o que eu até acho que acrescentaria a ele como obra, mas consegue de forma eficiente apresentar vários temas e um subtexto rico que acrescenta na sua temática e no desenvolvimento do passado e presente da sua personagem central.
Uma das coisas mais funciona em Capitã Marvel é como o roteiro escrito pela própria dupla de diretores com colaboração de Geneva Robertson-Dworet além do argumento de Nicole Perlman e Meg LeFauve, todas mulheres, subverte de forma inteligente a estrutura de “filme de origem” diferenciando a narrativa dele do que é usual nesse estilo de filmes e trazendo elementos externos pra ele, fazendo que a jornada de auto–conhecimento de Carol e o seu senso de estar perdida para se encontrar sejam bem convincentes. O filme não chega a se aprofundar em tema nenhum e nem no seu passado, o que eu até acho que acrescentaria a ele como obra, mas consegue de forma eficiente apresentar vários temas e um subtexto rico que acrescenta na sua temática e no desenvolvimento do passado e presente da sua personagem central.
E ele também faz isso de
uma forma que acrescenta a narrativa levando isso para as relações dos
personagens e trazendo abordagens subversivas positivamente dos clichês
problemáticos do gênero como por exemplo fugindo da obrigatoriedade de um
interesse amoroso masculino porque Carol simplesmente não precisa de um (e não que uma personagem feminina seja
diminuída por ter um interesse amoroso ou viver um romance, jamais, mas é uma
obrigatoriedade que não precisa sempre ser atendida), além de também saber como
conduzir como a trama da guerra inserido uma auto–consciência crítica nela. É
ótimo também como o filme reconstrói a estética dos anos 90, como ele executa toda
essa reconstituição de época e adere a uma fórmula muito clara de um filme de
ação padrão dos anos 90 com ecos de um filme de dupla policial conversando com os
longas mais blockbusters da época numa temática diferente mas com uma direção
muito apropriada nesse aspecto e com algumas referências não tão padrões nesse
aspecto (estou olhando pra você, “Operação França”).

Por outro lado, o filme
acaba falhando muito na condução sem sal das cenas de ação e uma falta de
brilho visual que cerca a obra toda (o visual é caprichado e bem feito como
sempre, mas falta mãos que saibam usar eles nas cenas de forma mais inspirada),
a parte inicial dele não engrena até que chega a um meio muito mais agradável
até um fim bem feito, o uso da trilha sonora em cenas chave é fraco ficando
algo muito genérico mesmo que significativo pelas cações, além de várias
facilitações de roteiro (o que é comum nos filmes da Marvel deixando claro, o
que não quer dizer que o filme deva ser blindando pelo erro de outros, mas
também não faz que isso deva ser tratado como uma novidade, quando não é) e uma
exposição textual grande aqui e ali, além disso a reviravolta central não tem
efeito e é muito obvia (outro problema recorrente desse tipo de filme), se Anna
Boden e Ryan Fleck conduzem a ação do filme de uma maneira genérica e torta o
mesmo não pode ser dito dos momentos mais contidos e humanos de interações
tanto dramáticas quanto de humor, que pra mim é onde os diretores mais se
sentem em casa e brilham. O que faz com
que Brie Larson e Samuel L. Jackson
brilhem construindo uma das melhores duplas, ou talvez a melhor até, do MCU,
num show de química.
A Brie Larson se sai bem
no papel da Carol Danvers, ela consegue expor de forma muito boa e funcional os
vários detalhes conflitantes da sua personagem em sua personalidade e os seus
vários lados em uma constante confusão até se eles todos se acharem e convergirem
numa mesma persona (o peixe fora d'água, a perdida entre dois mundos, a que não
se lembra, a que desafia, aquela que se levanta, a piloto, a guerreira heroína,
a heroína, o tipo sarcástico e aquela que se descobre num amplo sentido) que
ela consegue conduzir muito bem. A abordagem internalizada para expor esses
conflitos funciona muito bem trabalhando com o filme que talvez seja um dos
mais intimistas do MCU, fazendo com que a sua Carol seja uma personagem bem
interessante, que consegue se sobressair nos momentos reativos e mais sutis de
emoção. Ela sofre aqui e ali em alguns momentos com o roteiro que lhe é dado
que apelam para um textual desnecessário, truncado e expositivo que ela não
consegue entregar, mas isso são momentos muito pontuais. Na maior parte do
tempo ela torna Carol alguém pungente pelos acertos que encontra na sua
abordagem, conseguindo se casar com a personagem, fazer uma apresentação
cuidadosa dela e expõe todo o seu carisma nas sequencias com Nick Fury ou o
drama nas cenas com Maria construindo uma das personagens mais interessantes do
universo.

Samuel L. Jackson deita e
rola numa interpretação extremamente divertida e é muito bacana ver ele fora do
papel de “badass”. Me agrada muito como o filme explora o lado mais leve do
Nick Fury trazendo uma humanidade maior pro papel, o que acaba sendo uma ótima
decisão a ele, a única reclamação a isso nem é feita por purismo nem nada
porque essas coisas realmente não importam nada e a ideia de quebra de
expectativa de como ele perdeu o olho. Só que do jeito que foi feito ficou uma
piada meio boba, fácil demais e inserida de forma meio desajeitada no filme.
Mas tudo bem porque é o único momento inclusive que eu acho que o humor do
filme não funciona tanto (no resto funciona surpreendente muito bem e de forma
bem conduzida pontualmente), seu relacionamento dele com a Goose é ótimo,
funciona para adicionar mais ao personagem e fora isso a decisão de tratar o
Fury de forma mais leve como um todo é um dos pontos altos do filme fazendo uma
abordagem inspirada, que agrada funciona e oferece a mais para o Samuel L.
Jackson como ator. Sua química com Larson é excelente e os dois constroem uma
dinâmica de dupla divertida do começo ao fim. E a sua maquiagem digital para
rejuvenescimento é fantástica, soma para a narrativa do filme e acaba dando
esperança para o uso disso no futuro do cinema (estou olhando para você, “The
Irishman”).
O Ben Mendelsohn é uma
das melhores coisas do filme e até acho que o filme poderia ter se utilizando
mais do seu casting inteligente no começo do longa. O Ben consegue de uma forma
muito legal usar todas as chances que tem para se destacar mais do que costuma
se destacar nesses blockbusters que faz trazendo o que é esperado da sua
presença marcante mas adicionando uma emoção certeira a reviravolta do seu
personagem que aparece de forma clara mesmo com ele coberto por maquiagem assim
como nas cenas de humor muito bem colocadas. O Jude Law não está ruim e nem bom só está genérico, a Annette Bening é levemente desperdiçada
apesar das ótimas sacadas em torno do seu relacionamento com Carol e a forma
como uma mulher vê a outra e a significativa ação que diz muito mais do que só
o que aparece em tela, porém ela poderia ter sido mais usada e por último mas
nada menos importante a Lashana Lynch
rouba todas as cenas que tem conseguindo trazer muita emoção e um senso genuíno
pro relacionamento entre Maria e Carol.
No geral, Capitã Marvel
não chega a ser um dos melhores filmes do MCU, mas também é melhor do que
muitos filmes do estúdio e está longe de ser um dos piores. Existem problemas,
mas existem grandes acertos e um filme bem divertido também. É um bom filme.
Não um grande filme, mas um bom filme. Felizmente nós não precisamos viver num
mundo 8 ou 80 mesmo que as pessoas tenham se esquecido disso.
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