CHUVA É CANTORIA NA ALDEIA DOS MORTOS (RENÉE NADER MESSORA E JOÃO SALAVIZA, 2019)

“Chuva é Cantoria na Aldeia dos
Mortos” é tanto uma coprodução
entre Brasil e Portugal quanto um fruto da colaboração formada pela brasileira Renée Nader Messora e o português João Salaviza na direção e no roteiro. Contudo
o Brasil é o foco e a essência do longa tendo como fruto também o trabalho de
anos de Renée com a tribo dos Krahô.
Investindo nessa mistura entre ficção e documentário, um filão constante dos
filmes brasileiros da atualidade, o longa conta a história do jovem Ihjãc que ao negar o seu chamado e
fugindo de um crucial processo indígena de se tornar um pajé, foge para a
cidade se afastando da sua aldeia e tendo que testemunhar a duvida entre o
chamado e ser um índio no Brasil contemporâneo que os excluí.
Ao traçar essa narrativa
entre dois ambientes de coletivo (a aldeia) e solidão (a cidade) o filme acaba
sendo como como a tradição e as missões que lhe são incumbidas travam um
combate entre medos, dúvidas, desejos, vontades e incertezas. Renée e João criam
uma excelência estética e visual muito forte e constante no longa–metragem numa
impressionante abordagem naturalista e primando pela simplicidade fazendo
planos que se botem próximos dos corpos de seus personagens, de seus rostos, em
planos detalhes daqueles pessoas, e não só delas, observando também os animais
e a natureza ao seu redor, planos que observam de forma constante e que
constroem o caráter internalizado daqueles personagens. Muito pouco é falado.
Mas muito é sentido. Ao mesmo tempo João e Renée investem em enquadramentos
gerais daquele ambiente tanto para mostrar a vastidão do território indígena
como se ele fosse mais uma força constante do que apenas um ambiente e ao mesmo
tempo construir o mesmo mostrando a cidade como uma força isoladora, solitária
e como um verdadeiro labirinto estranho.
É muito interessante como
por exemplo a presença das personagens brancas não é vista em tela e enquanto
eles falam vemos as suas vozes fora de quadro num recurso de voz over, onde só vemos os personagens
índios em especial Ihjãc enquadrados,
enquanto vemos por exemplo uma funcionaria branca do hospital da cidade falando
com ele ou então um homem branco que o abriga em sua casa fazendo essa ligação.
Ao mesmo tempo é muito interessante como o longa mostra um constante contato e
conhecimento das culturas brancas e indígenas pelas proximidades de espaço que
elas ocupam, mas nunca deixa de estabelecer os constates extremos delas.
Rituais indígenas, festas de cidade pequena, futebol, fliperama, esmalte, os
constates são muito bem colocados. O filme desenvolve muito bem esse senso de
proximidade territorial, de relação amigável com particularidades do mundo
branco contemporâneo enquanto também analisa esse sendo de não pertencimento,
de isolação e também tem abordagens destrutivas e absurdas da cultura branca
como diálogos que falam sobre a pressão de igrejas evangélicas sob os
indígenas, fazendeiros ruralistas atacando aldeias por motivos de terra
cometendo genocídios que acabam em impunes e também de políticos que tentam
conseguir os votos dos indígenas.

João e Reneé conduzem
toda essa abordagem em sua jornada externa e interna que passa por uma poesia transcendental e sobrenatural, nessa análise social e espiritual, com um senso muito poderoso em
sua direção. A fotografia dela traz cenas extremamente impactantes tanto em um
desfecho em um rio, nos momentos de Ihjãc num uso competente de iluminação para
trazer à tona com toda aquela escuridão um medo interno bastante presente, nas
sequencias deslumbrantes passadas em cachoeiras, em como se filma o fogo e em
cada momento de algum ritual.
Toda essa beleza plástica
traz um senso que não fica apenas no virtuosismo estético, mas vai para o lado
de expor uma imersão naquele universo, que é extremamente necessário para o
filme. Ihjãc Krahô conduz o filme inteiro embalando n o seu corpo e nas suas
poucas falas, todo esse caráter internalizado do longa e sua parceira Kôtô Krahô divide uma química com ele
que primeiro já impressiona pelo claro fator de ser palpável pelo senso do real
transmitido mas também porque existe uma doçura tão natural e linda no
relacionamento de ambos.
Fugindo do olhar exótico
e caminhando no que tem de mais palpável ou imersivo, “Chuva é Cantoria na
Aldeia dos Mortos” peca por alguns diálogos ensaiados demais em seu segundo ato
e por se perder um pouco na progressão entre a aldeia e a cidade também nele.
Mas essas falhas muito pequenas não atrapalham uma jornada tão particular no
imaginário interno do Brasil. Que ele mesmo nega ou até renega. Infelizmente.
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