ZODÍACO (ZODIAC, DAVID FINCHER, 2007): O RASTRO INVISÍVEL | CRÍTICA


"I need to know who he is. I … I need to stand there, I need to look him in the eye, and I need to know that it's him."

O tema serial killer não é algo recorrente apenas na filmografia do diretor David Fincher tendo em conta "Seven: Os Sete Pecados Capitais" (Seven, 1995) e a série da "Mindhunter" mas também é algo recorrente no imaginário popular pelo fascínio tão natural quanto estranho que esse assunto causa na humanidade. O que torna “Zodíaco” (“Zodiac”, 2007) tão especial e sem dúvida pra mim a obra–prima do cineasta é que poucos filmes entendem com tamanha perfeição o rastro de destruição invisível que um crime e um psicopata deixam no seu caminho de mortes na vida de tantas pessoas. Zodíaco está interessado em expor como muitas vidas são destruídas pela violência. E não apensa as vidas daqueles que já se foram mas as vidas daqueles que ficam e de cada um ligado a um crime das mais diferentes formas.

O mais fascinante em Zodíaco é em como ele é sutil na sua construção sem nunca dar ênfase em quão poderoso ele é porque não precisa. Fincher está no auge da sofisticação como artista e consegue que cada elemento do longa trabalhe num conjunto primoroso e equilibrado contando a história do assustador assassino em série que aterrorizou os Estados Unidos nos anos 60 e 70 e se autodenominava como o Zodíaco, e ao desenvolver essa investigação para prender o criminoso vai focar em como ela afeta pra sempre a vida de todos ligados à ela dos coadjuvantes até os protagonista: o cartunista Robert Graysmith (Jake Gyllenhaal) obcecado com o caso, o detetive de polícia David Toschi (Mark Ruffalo) e o jornalista Paul Avery (Robert Downey Jr.).

É muito preciso como Fincher faz uso de “jump scares” algumas vezes, mas sem a intenção de usar essa ferramenta para dar sustos baratos como é feito na maioria das vezes. O filme em vez disso procura que o público sinta na pele a ideia do desconhecido e o temor que isso causa, se concentrando totalmente na premissa que qualquer estranho pode ser o assassino (e ter vários atores diferentes reproduzindo a sua voz só ajuda nessa sensação).
Todos os elementos técnicos são primorosos. Fincher não apenas tem suas mãos um filme que pela reconstituição de época na direção de arte ou nas escolhas musicais te emerge na década de 60 e 70, ele filma esse longa como se estivéssemos vendo um filme de investigação clássico da década de 60 e 70 bem ao estilo "O Homem Que Odiava Mulheres" e “Todos os Homens do Presidente” com toda a criação de tensão que ele domina tão bem. Ele consegue dar uma riqueza de detalhes para todos os ambientes que filma dos jornalísticos até os policiais e cria um universo tão único que não queremos sair dele nunca mais.

E ainda cria cenas extremamente assustadoras sem nenhum derramamento de sangue apenas pensando em sequências com coisas como um porão escuro e úmido, uma casa assustadora, a trilha aterrorizante do compositor David Shire e uma escolha brilhante de casting em escalar um espetacular Charles Fleischer – o homem que fez a voz de Roger Rabbit em 1988 – para a cena. E tudo é ainda mais brilhante porque o objetivo central da cena não é o susto pelo susto e sim construir o ponto central do filme. Mostrar que a força de Zodíaco enquanto obra de arte está justamente em Fincher perceber que precisa conduzir a graciosidade do filme da mesma forma que vemos o efeito violento que o assassino tem no filme: de um modo invisível. A invisibilidade que faz com que sempre surja um novo suspeito no caso e a qualquer momento o perigo apareça ou não do seu lado. A eterna dúvida ou medo que a cena mostra tão bem. Mas além disso ele também quer te fazer entender que mesmo com o Zodíaco preso ou não o abalo emocional da sua violência estará para sempre na vida daquelas personagens.
E o longa é muito inteligente numa brincadeira em como conversar com o público em criar um sentimento de obsessão no espectador para descobrir quem é o assassino que acaba espelhando do mesmo jeito a obsessão dos personagens principais que querem o mesmo e tem as suas vidas destruídas por isso.
O tom investigativo do filme também ganha força pelo elenco ótimo que tem fazendo personagens extremamente interessantes que vamos conhecendo e vão surgindo sendo todos dos menores pros maiores tão fascinantes quanto palpáveis. Jake Gyllenhaal está ótimo funcionando em suas cenas iniciais pela forma que ele apenas representa o medo que o público sente sobre esse caso. Porém ele se supera quando ele retrata o escoteiro inocente e idealista que está entusiasmado com o caso, mas que lentamente cai em uma obsessão sem fim, doentia e insalubre. Mark Rufallo brilha em dos melhores papeis da sua carreira fora da sua zona de conforto de exageros como o "bom moço" dando uma atuação única pela forma que ele cria os maneirismos particulares de Toschi e a sua maneira de falar. Rufallo sempre é preciso em retratar a dificuldade pessoal de Toschi em lidar com esse caso sem solução. Ele é muito interessante pela maneira como ele interpreta um Toschi que parece estar assombrando com a sua incapacidade de resolver esse caso e de lidar com a perversidade humana.

Robert Downey Jr. está fantástico fazendo um dos seus últimos papéis desafiadores brincando com a sua própria persona dando vida a esse repórter sarcástico e autodestrutivo que na verdade é bem mais do que isso. Ele consegue retratar muito bem a faceta superficial do personagem como sempre mas Robert Downey Jr. ainda consegue acrescentar ainda mais complexidade para esse trabalho excepcional. Com a sua sensibilidade como ator Downey Jr. traz uma certa sensação de desespero quando ele de maneira muito competente transmite os demônios pessoais de Paul que fez com que ele se torna mais e mais decadente.
E os coadjuvantes estão todos brilhantes com Jimmi Simpson, Anthony Edwards, o próprio Charles Fleischer e Chloë Sevigny precisamente fantásticos nos momentos que tem para brilhar, participações especiais de grandes atores como Brian Cox e Elias Koteas além de outros nomes como como Philip Baker Hall, Donald Logue e David Wenham. Porém o maior destaque dos coadjuvantes é a atuação hipnotizante do subestimado John Carroll Lynch como Arthur Leigh Allen, um dos suspeitos de ser o Zodíaco, John é simplesmente formidável em apenas duas cenas conseguindo criar um trabalho antológico que compõe um retrato complexo e assustador de um homem que é uma dúvida constante. Monstro ou só mais um no meio de tantos?

Essa dúvida constante ser tão perfeitamente transmitida pelo filme inclusive é o que faz Zodíaco tão especial. Temos viva a sensação desse medo que permanece desconhecido nas sombras, essa sensação de que os dias se passam e o assassino não vai ser descoberto nunca, a sensação de que o assassino ainda está livre por aí para fazer o que quiser. Isso cria o peso do horror do que uma série de crimes que ficam anos sem ter o seu culpado revelado representam e de como essa dúvida inflige por anos um sofrimento a várias pessoas diretamente ou indiretamente. Tudo por causa da violência de um único homem perturbado que pode destruir tantas vidas sem nunca ser visto ou sem sabermos o seu nome real.

É a obra–prima de David Fischer sem dúvida.

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