A GENIALIDADE DE MOJICA E DE “À MEIA-NOITE LEVAREI TUA ALMA” (1964): SER UM ARTISTA

"O que é a vida? É o princípio da morte. O que é a morte? É o fim da vida. O que é a existência? É a continuidade do sangue. O que é o sangue? É a razão da existência!"
Em qualquer país sério o legado de José Mojica Marins, o nosso querido e saudoso Zé do Caixão, que faleceu nessa quarta–feira dia 19 de fevereiro de 2020 seria tão celebrado, venerado, falado e respeitado quanto o de um Glauber Rocha. Se o Brasil já é um país infelizmente que despreza, esquece, persegue, desmotiva, dificulta, diminui e não valoriza seus artistas já validados por uma consagração coletiva imagina aqueles que muitas vezes ficam a margem sim ou não tem essa coletividade (por sorte Mojica em sua vida também conseguiu encontrar extremo sucesso de diferentes e diversas formas na sua vida). Cineasta do mágico cinema da Boca Lixo, Mojica sem dinheiro, extremamente perseguido pela ditadura militar e longe de um clubinho por um lado acadêmico metido a intelectual fechado e elitista mas também com nomes extremamente fortes, inteligentes e mágicos quanto Mojica que apenas possuía coisinhas a sua favor como sua inteligência, talento, criatividade, paixão, coragem, persistência e principalmente sinceridade artística foi um dos mais importantes e ricos artisticamente cineastas do cinema brasileiro.

Um exemplo gigante para quem hoje é artista vivendo num país comandado por um projeto neofacista de poder que persegue a cultura e arte entre muitas outras coisas. Um exemplo de que a não desistência da sua arte e do seu eu artístico sempre rende frutos por mais difícil que o caminho seja. Mojica esse artista grandioso fez um cinema de gênero e popular completamente brasileiro sem se pasteurizar, com ousadia, inventividade artística, sem anular jamais enquanto autor, sem anular a sua brasilidade e principalmente de novo com sinceridade. Diferente outros tipos de cinema que existem no país e perfeito que existam como filmes bons e ruins mas exploratórios e publicitários com grandes lições sociais feitos por brancos ricos em cima da periferia e da pobreza de pretos e trabalhadores o que inevitavelmente agrada um mercado gringo e uma classe média branca em seu eterno complexo de culpa, comédias vagabundas pensadas como um grande comitê copiando comédias americanas ou replicando o pior da televisão, cinebiografias burocráticas que vão pelo mesmo caminho e por aí vai. O cinema popular sem vergonha nenhuma de ser popular de Mojica tem o que falta em muitos desses filmes: uma verdade. Mojica está lá totalmente verdadeiro na autoria de seus filmes e fazendo esses filmes conseguindo o melhor, o mais divertido e mais profundo do que a comunicação de massa pode fazer numa obra artística em um dos grandes exemplos da possibilidade disso na riquíssima filmografia brasileira. Sua obra–prima na minha opinião “À Meia-Noite Levarei Tua Alma” de 1964, um sucesso de bilheteria na época, talvez seja a maior prova disso.
Em qualquer país sério o legado de José Mojica Marins, o nosso querido e saudoso Zé do Caixão, que faleceu nessa quarta–feira dia 19 de fevereiro de 2020 seria tão celebrado, venerado, falado e respeitado quanto o de um Glauber Rocha. Se o Brasil já é um país infelizmente que despreza, esquece, persegue, desmotiva, dificulta, diminui e não valoriza seus artistas já validados por uma consagração coletiva imagina aqueles que muitas vezes ficam a margem sim ou não tem essa coletividade (por sorte Mojica em sua vida também conseguiu encontrar extremo sucesso de diferentes e diversas formas na sua vida). Cineasta do mágico cinema da Boca Lixo, Mojica sem dinheiro, extremamente perseguido pela ditadura militar e longe de um clubinho por um lado acadêmico metido a intelectual fechado e elitista mas também com nomes extremamente fortes, inteligentes e mágicos quanto Mojica que apenas possuía coisinhas a sua favor como sua inteligência, talento, criatividade, paixão, coragem, persistência e principalmente sinceridade artística foi um dos mais importantes e ricos artisticamente cineastas do cinema brasileiro.

Um exemplo gigante para quem hoje é artista vivendo num país comandado por um projeto neofacista de poder que persegue a cultura e arte entre muitas outras coisas. Um exemplo de que a não desistência da sua arte e do seu eu artístico sempre rende frutos por mais difícil que o caminho seja. Mojica esse artista grandioso fez um cinema de gênero e popular completamente brasileiro sem se pasteurizar, com ousadia, inventividade artística, sem anular jamais enquanto autor, sem anular a sua brasilidade e principalmente de novo com sinceridade. Diferente outros tipos de cinema que existem no país e perfeito que existam como filmes bons e ruins mas exploratórios e publicitários com grandes lições sociais feitos por brancos ricos em cima da periferia e da pobreza de pretos e trabalhadores o que inevitavelmente agrada um mercado gringo e uma classe média branca em seu eterno complexo de culpa, comédias vagabundas pensadas como um grande comitê copiando comédias americanas ou replicando o pior da televisão, cinebiografias burocráticas que vão pelo mesmo caminho e por aí vai. O cinema popular sem vergonha nenhuma de ser popular de Mojica tem o que falta em muitos desses filmes: uma verdade. Mojica está lá totalmente verdadeiro na autoria de seus filmes e fazendo esses filmes conseguindo o melhor, o mais divertido e mais profundo do que a comunicação de massa pode fazer numa obra artística em um dos grandes exemplos da possibilidade disso na riquíssima filmografia brasileira. Sua obra–prima na minha opinião “À Meia-Noite Levarei Tua Alma” de 1964, um sucesso de bilheteria na época, talvez seja a maior prova disso.
Esse terror dos anos 60 acompanha
a jornada do coveiro de uma cidade pequena chamado Zé do Caixão (como já
sabemos interpretado pelo diretor e roteirista Mojica) que aterroriza toda a
região e numa obsessão doentia de gerar um filho perfeito para dar continuidade
ao seu sangue. Nessa sua obsessão Zé comete crimes terríveis e tem a sua vida
mudada para sempre. A genialidade de Mojica já começa pela criação do icônico
Zé do Caixão que muitas pessoas que nem assistiram a esse filme conhecem tamanha
a sua força popular de comunicação. A voz extremamente característica, o
figurino fantástico com capa preta, cartola, as unhas e outras coisas não são
as únicas coisas que tornam esse personagem tão especial. Nesse primeiro filme
Mojica já torna Zé um personagem genial pela maneira como o constrói tão
sabiamente. Não é apenas o visual do coveiro que é iconoclasta mas tudo sobre
ele: cada fala, gesto ou atitude propositalmente exagerada que ele toma se soma
com o seu visual único. Mojica também não tem nenhuma condescendência com a sua
criação desenvolvendo Zé como um vilão completo. Sua perversidade, violência,
crueldade, sadismo e violência são muito reais e o filme consegue de maneira excecional
misturas esses elementos com uma maldade tão humana tão costumeiros em como a
nossa sociedade está estruturada o que faz que esse mal maior que Zé representa
seja ainda mais palpável e ao invés de algo distante seja ainda mais próximo. Zé
é um misógino, um estuprador, um marido abusivo, anda armado, se vê como
intelectual superior por ser ateu e seu plano principal é ser “pai de família”
de uma “criança perfeita” gerada pela “mãe certa”. Percebem como Zé uma criação
que num olhar distante pode parecer apenas uma figura caricata e “trash” é um
personagem verdadeiramente palpável e real dentro da realidade brasileira de
homens misóginos que vêm mulheres como objetos, filhos como coisas, são eternos
valentões, querem andar armados e fazem das suas crenças ou falta de crenças
não percepções sinceras da vida mas sim motivos para espalhar um mal estar em onde
passam por prazer?

Mojica trata todos esses
traços como parte da maldade que compõe a vilania do personagem central o que
faz com que a discussão que vemos ao redor seja verdadeiramente inteligente enquanto
o deixa totalmente fascinante pelos fatores tão icônicos a sua volta e pela
presença tão carismática de Mojica sem jamais esconder quem de fato ele é.
Mojica como ator brilha totalmente entregue ao papel num daqueles casos em que
criatura é tão marcante que se junta com o criador. As ideias de Mojica são tão
gigantes e maiores que o seu orçamento precário que perto da qualidade
artística da obra não fazem diferença nenhuma. Só estimulam uma mente
apaixonada e motivada disposta a fazer a sua arte. O filme traça o tempo todo comentários
muito complexos e fugindo do obvio sem verdades absolutas entre o ceticismo e a
crença religiosa fervorosa, aborda os medos, superstições e ignorâncias dentro
da religião como algo obrigatório, imposto, irracional e cego de um povo fanático, beato, careta, cheio de preconceitos e tabu ao mesmo tempo
que constrói a forma do seu personagem principal de lidar com o seu ateísmo e nilismo como
uma forma de arrogância e choque de um homem sem nenhum caráter ao invés de uma
verdade interna. Da mesma forma por outro lado ele faz com que os seus
questionamentos religiosos sejam tão verdadeiros e inteligentes voltando para uma
outra visão de mundo que desafia e goza dessas obrigações cristãs numa estratégia artística que abraça o modo de ser transgressora ao status quo estruturado desafiando essa lógica religiosa hipócrita e autoritária (a cena dele querendo comer carne na sexta-feira santa é impecável) da forma mais forte possível o que o tira de um
maniqueísmo ou de uma visão única além de acompanhar isso com um cinismo e deboche que o deixam tão palpável. É o desenvolvimento de um personagem muito complexo e profundo.
É tudo mais complexo do
que parece num primeiro instante e aí está magia desse filme. Os excelentes diálogos
que Mojica escreve tão bem e cria que vão desde frases extremamente marcantes até questionamentos
filosóficos em monólogos funcionam maravilhosamente bem. Toda cena está lá para
avançar ou apresentar características vitais no seu personagem principal como
em todos os pequenos momentos que ele interage com os habitantes da cidade que
ele tanto despreza. Mojica cria sequências de violência explicita tão criativas,
verdadeiramente graves e ao mesmo tempo tão divertidas pela criatividade que atinge
ao mostrar a maldade do personagem. O domínio de Mojica na direção é tão grande
que o extremo acaba soando totalmente natural com os famosos close–ups por
exemplo que evocam o horror de Zé ou de quem sofre com ele. O cineasta cria uma
atmosfera muito particular e inventiva no filme que mescla esse humor tão estilizado
com um senso de horror real do que aquele homem representa. Essa estilização
presente nos cenários montados de maneira extremamente real em um pequeno
estúdio criando lugares que são verdadeiros personagens como o cemitério de Zé
ou o bar (um cenário digno de faroeste). Ambos os espaços inclusive têm um
efeito metafisico contrastante no filme como a fortaleza do mal (o cemitério) e
a de proteção desse mal (o bar). Os efeitos especiais são precários mas mas tudo é conduzido com extrema criatividade no uso deles o que acaba impressionando muito mais que
a sua pobreza.
Mojica utiliza suas
próprias referencias como por exemplo uma apresentação inicial do protagonista
falando para o público em um monologo lembrando quadrinhos de terror clássicos,
séries televisas de terror ou filmes da Universal mas o curioso é que na sua
construção e no que fala Mojica consegue primorosamente construir um terror totalmente
brasileiro. Talvez por não ter medo de ser brasileiro que Mojica ficou
universal sendo conhecido e respeitado nos Estados Unidos e na Europa. Existe coisa
mais universal do que a arte de um país realmente ser uma arte daquele país? Eu
tenho a impressão de que as grandes obras–primas do nosso cinema vem dos mais
diferentes gêneros, fases e estilos mas tem algo em comum: a sinceridade em expor
uma visão artística e um país. E nesse filme assim como na sua obra toda de
muitas outras preciosidades Mojica também teve isso. Mesmo fazendo um filme
totalmente livre numa construção coletiva na hora e com improvisação Mojica
tinha em mãos uma tamanha paixão e foco artística no que e como queria falar que
constrói uma verdadeira obra–prima vencendo limitações e fazendo delas ferramentas
cinematográficas num dos grandes e mais verdadeiros exemplos de cinema de
guerrilha.

Adeus, gênio.
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