"O MESTRE" ("THE MASTER", PAUL THOMAS ANDERSON, 2012): ADENTRANDO O SENSORIAL | CRÍTICA
Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.
É fascinante observar seu
caminho como artista começando construindo estudos de personagens muito
influenciado pelo cinema de Robert Altman e até um pouco de Martin
Scorsese (como em "Jogada de Risco"),
construindo um estilo próprio por essas influências passando pelo momento em
que sua ambição por escopo vai pra um caminho que investiga ações humanas
dentro de um painel humano em filmes como "Boogie Nights" e "Magnólia" que podem caminhar
tanto por um bom–humor amargo quanto por um desejo de entender épicos
dramáticos.


Esse conto sobre o
veterano de guerra Freddie Quell (Joaquin Phoenix, perfeito no
seu melhor papel), um homem atormentado e auto–destrutivo, se encontra com um
líder de um culto religioso Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman,
mais genial que nunca). Para fechar esse trio temos Peggy (Amy Adams
fantástica), a complexa esposa de Dodd, os três juntos parecem representar
conceitos da psicológica como o Id, o Super–Ego e o Ego respectivamente. É meio
hipnotizante observar como o filme escapa de qualquer expectativa sobre trama
ou até narrativa escapando sempre do caminho mais óbvio, uma suposta redenção
de Freddie é substituída por uma análise de luta de poder. Ao mesmo tempo que o
culto tenta ajudar Freddie e o personagem de Phoenix tenta ajudar o culto,
percebemos lentamente o quão fundo Freddie está quebrado mas como o próprio
Lancaster Dodd está afundando em seus próprios demônios e o seu relacionamento
com seu culto talvez seja longe de algo óbvio como apresenta.
Lancaster sinceramente
quer a felicidade de Freddie e tem dúvidas sobre isso. Dúvidas sobre onde e
como esse homem perdido será feliz. Dúvidas sobre se domar com mentiras um
espírito tão particular que mexe tanto com ele é a resposta? É o certo? Seria o
correto reproduzir a sua dor numa alma que mexe tanto com si? "O
Mestre" também é sobre Dodd encontrando alguma verdade pela primeira vez
na sua vida quando a força de um relacionamento com outro homem o faz
confrontar o que faz e quem é.
A busca de Freddie pela
paz o leva a um caminho entre a derrota ou a auto–sobrevivência, o amor
próprio, se libertar, se abraçar e talvez uma necessidade de acreditar em si
mesmo. Seria melhor sofrer com quem você é ou enxergar outro lado disso? É
possível ser o seu próprio mestre?

Chegar a ser meio irreal
o quão o roteiro de Anderson é algo cheio de profundidade e camadas ao
desenvolver aqueles personagens e todas as contradições e facetas das relações
entre eles. É até brilhante como o filme consegue com Lancaster criticar esses líderes de seitas farsantes e mentirosos cercados de seguidores cegos e de uma estrutura perversa, gananciosa e hipócrita (coisa que ele também fez no brilhante "Sangue Negro" com o personagem do Paul Dano) assim como essa masculinidade distorcida e violenta de Freddie mas encontra uma humanidade impar em quem está naquele culto e quem são esses homens compreendo um processo de dor ainda mais complexo que só reflete essas repressões tão gigantes. Não existe julgamentos e sim
um olhar amplo da alma e mente humana. Lancaster é um aproveitador, corrupto e mentiroso que causa a dor de seus seguidores (o que é ilustra tão bem numa cena dele em que a participação de Laura Dern acaba sendo vital) mas no final
das contas também é um homem triste e perturbado com a mentira que vive o afastando de
qualquer conexão real totalmente preso num mundo de mentiras que algoz e vítima. Já Freddie reproduz o pior da masculinidade, é extremamente
violento, repulsivo e anti–social mas existe uma espécie de doçura infantil
escondida nesse homem, traumas impenetráveis e uma busca pra conseguir fazer
alguma conexão real ou um proposito que lhe dá algum conforto diante de toda
dor. São dois homens cansados de uma dor que eles nem conseguem falar sobre e
buscando um no outro algum tipo de sentimento que eles nem podem tocar. Paul
Thomas Anderson não tem necessidade de maniqueísmos e quer na verdade traçar um
olhar sobre personagens que vivem extremos de sentimentos entre si totalmente destrutivos.
Anderson reúne
interpretações magistrais de Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy
Adams. Phoenix está simplesmente maravilhoso dando uma fisicalidade única pra
sua interpretação entrando de cabeça na insanidade indescritível do seu
personagem, já Philip Seymour Hoffman se aproveita de toda a complexidade do
seu personagem e faz uma composição feita de momentos de sutileza transmitindo
um fascínio em cada momento em que está em tela e fazendo as suas explosões
pontuais ainda mais fortes. Adams está excelente como essa força da natureza
silenciosa e impecável. Sútil, sofisticada e assustadora na medida certa. Seu
trabalho conjunto com Phoenix e Hoffman é majestoso.
Capa de Cid Souza.
Quem é salvador e quem é
salvo no final das contas? Existe salvação?
O cinema do Paul
Thomas Anderson é um cinema de eterna construção, reinvenção e evolução.
Sempre baseado em riscos. A construção não é apenas cinematográfica mas também
se baseia em uma construção dele mesmo enquanto artista sempre em busca de
reinvenção constante.

Aí chegamos em "Embriago de Amor" onde ele se apropria desse estilo e
influências já claros anteriormente para compor uma comédia romântica que só
ele poderia fazer. "Sangue Negro" marca um ponto de
rompimento do seu cinema. Usando temáticas clássicas de um épico americano ao
melhor estilo John Huston, Orson Welles e até Kubrick Paul
faz um filme que marca seu interesse por um novo caminho.

Um caminho mais sensorial,
livre, aberto, chegando a ser até experimental e indo pra uma espécie de
libertação de trama lembrando o melhor do cinema Europeu lá pela década de 50 e
60 enquanto continua brincando com gêneros – seja a desconstrução do romance
clássico em "Trama Fantasma" ou o neo–noir
setentista em "Vício Inerente" – mas agora está
livre pra traçar esse estudo de relações interpessoais humanas entre
personagens, familiares, masculinidade tóxica, abuso, paternidade e os demônios
da alma humana. Paul ignora a necessidade de uma prisão em tramas ou histórias
sentido necessidade em explorar ao máximo os seus personagens, as relações
entre eles, o psicológico de todos eles e fazer que o texto, o tom estético e
cinematográfico das suas obras acompanhem o estado emocional dos seus
personagens num domínio audiovisual pleno. "O Mestre" é o primeiro exemplo mais "puro" dessa sua fase e pra
mim a consolidação máxima dele enquanto artista.
A narrativa de "O Mestre" se interessa em olhar lá no fundo da
alma dos seus personagens. Vai indo de personagem em personagem sem concessões.
Examina eles a fundo. Tempo, em um aspecto cronológico e como regra a ser
seguida, é algo ignorado. O filme quer que entremos numa espécie de passeio
visual e psicológico por almas humanas quebradas. Sonhos são vistos como
realidade, e a realidade faz parte de um sonho. "O Mestre" é um
estudo muito complexo que adentra a mente de um homem insano e quebrado que ao
procurar ajuda descobre que talvez não seja o único com a mesma condição.

Os dois homens são um
espelho distorcido deles mesmos. A relação dos dois passeia por uma conexão
completa e retroalimentada. Eles são mestre e pupilo, melhores amigos, irmãos,
pai e filho e talvez a coisa até passe por uma atração sexual e física. Freddie
lá no fundo sabe que está envolvido com uma farsa mas precisa de Dodd porque é
a única oportunidade que tem em sua jornada por paz enquanto Lancaster vê nesse
homem quebrado uma especie de honestidade que o fascina num mundo de mentiras
que ele constrói. Peggy que faz o papel de "esposa calada e submissa"
na verdade é a grande mente daquele culto e sabe muito bem como se utilizar da
persona do marido para chegar aos objetivos de sucesso do culto. Ela controla
tudo inclusive o marido. Porém Freddie a assusta. Esse homem de aspecto e
comportamento animalesco é a única coisa fora do seu alcance e ela não entende
isso. Não gosta disso. Morto por dentro, Freddie é a única coisa capaz de mexer
com Lancaster, também morto por dentro, enquanto a busca por religião pode
resultar em um caminho verdadeiro ou só mais um fracasso que o impulsiona a
outra caminhada ou outra percepção.


É uma viagem por uma
masculinidade perdida e destroçada num caminho de duas vias.

A trilha sempre incrível
do Jonny Greenwood reproduz esse tom perdido e desconfortável de Freddie
até o encontro que muda a sua vida partindo pra acordes referentes a tensão que
cerca o mundo que abarca esses encontros sempre batendo em nossa cabeça como se
estivéssemos naquela tubulação emocional, a fotografia e a direção de arte
capturam aquele período temporal de maneira tão exata dando um sentimento de
saudosismo preciso ao mesmo tempo que Mihai Malaimare Jr. vai para um
caminho de constate em que a estética bucólica e melancólica reforça o
sentimento de eterna ressaca e auto–destruição existentes no filme todo, ao
mesmo tempo que o Paul Thomas filma tudo tão lindamente se atento a cada plano,
cada enquadramento, cada reflexo visual dessas mentes distorcidas com recursos
que alimentam essa força imparável que ele tira dos atores como close–ups
detalhados em seus rostos enquanto são brilhantemente dirigidos pelo cineasta.

"O Mestre" foge
de expectativas, de dar respostas e nunca é o que parece, por isso ele nunca
para de ser um estudo tão hipnotizante e visceral sobre as dores internas de
uma masculinidade destroçada e sobre a jornada de Freddie por auto–conhecimento.
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