O SOM E FÚRIA DE "EMA" (PABLO LARRAIN, 2020): OS EFEITOS | CRÍTICA
Triste constatar que o “som e fúria” que movem "Ema" apenas me bateram como um grande fetiche. Eu curto muito como “Ema” se apresenta
no começo construindo essa premissa do funcionamento desse caos que move o
cotidiano da sua protagonista num estudo de personagem e tudo que o filme tenta
acarretar em discussões e práticas cinematográficas mesmo atreladas a isso.
Essa ideia que o Larraín e o seu diretor de
fotografia Sergio Armstrong tem de traduzir os sentimentos internos da
protagonista e diversas temáticas tão pesadas, fortes e diversas quanto a
realidade opressiva dela junto com um teor atmosférico, imagético e sensorial que
aparece na plástica do filme em suas cores expressivas, fortes e na forma que
filma aqueles corpos tão livres em movimento acompanhados pela sempre presente
e atraente trilha incidental do Nicholas Jaar num passeio cheio de anarquia e
movimenta sua câmera quase que como se aqueles espaços fossem uma extensão
enorme dos seus movimentos e demônios acabam rendendo momentos de estética
alguns até bem interessantes e bonitos mas no final das contas e na execução
esses elementos não parecem chegar fundo na experiência de poesia que ele busca
ou num contato mais existencial, complexo e experimental desse estudo de
personagem que ele não me parece ter muito domínio ficando só num experimento
que soa auto–indulgente e fetichizado em vários níveis.
Ando assistindo e revendo filmes do Abel Ferrara
esses tempos e esse "Ema" me lembrou certos filmes da metade da
carreira dele onde existe um desejo de manifestar a dureza cotidiana das
relações humanas, da vida, da cultura, do sexo e da miséria que move a gente em
estudos de personagens numa lógica completamente livre de cinema em sua direção
que tem um foco nessa exploração puramente audiovisual da coisa. O problema de
"Ema" é que diferente de muitos filmes de Ferrara ele não me parece
ter esse domínio da exploração visual da alma humana ou se aprofundar nisso e
acaba caindo num caminho que não sustenta toda a sua ambição.
Pelo contrário. Ele torna tudo muito disperso e
artificial. Ficando só nas camadas das aparências. Seja levando os dramas e
discussões dos seus personagens para um lado caricatural, previsível, óbvio e
expositivo chegando até momentos de um dramalhão totalmente fora do tom no seu
último ato com revelações constrangedoras. A própria protagonista parece só um
fetiche estético meio vazio de Larraín do que uma personagem com carne e osso
fazendo com que suas representações fiquem muito vagas. Ou então deixando
escapar tanto o ritmo quanto a profundidade dessa experiência visual de
sentimentos se transformando num videoclipe exploratório e fetichista da técnica
que não acessa e acaba sufocando e se sobrepondo a uma entrega imagética e de
discussões.
As boas ideias, seus belos momentos espalhados pelo
filme tanto estéticos quanto musicais e a forte atuação de Mariana Di Girolamo
que abraça toda a densidade que ela tem nas costas mesmo que a sua personagem
seja um espaço vazio e uma manifestação fetichizada que o filme tenta disfarçar
com um suposto estudo complexo que ele nunca chega – Gael é um ator muito bom
mas ele fazendo essa caricatura insuportável de esquerdomacho não deu – deixam
"Ema" um filme seja no nível que for interessante porém bem perdido
nos caminhos que atravessa acabando com um gosto amargo porque ele poderia ser
bem mais.
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