TRANCADO COM O PODER EM "A HONRA SECRETA" ("THE SECRET HONOR", ROBERT ALTMAN, 1984)
Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.
“FUCK 'EM!”
Depois dos seus filmes na Nova Hollywooad e de
dirigir “Popeye”, além de outros fatores, o cineasta Robert Altman encontrou
dificuldade na década de 80 em achar um lugar dentro da indústria. Por isso
ele passou a se dedicar a fazer filmes de baixo–orçamento, independentes,
pequenos, de lançamento limitado nos cinemas, outras vezes direito pra vídeo ou
pra televisão e muitas vezes baseados em peças de teatro ou documentários. Esse
método de filmar durou durante toda a década de 80 até o começo da de 90 com “O
Jogador” (“The Player”) quando ele voltou a dirigir projetos maiores. Sem
dúvida nenhuma um dos melhores frutos nesse seu curioso período foi “A Honra
Secreta” (“Secret Honor”) de 1984.
Baseado em uma peça escrita por Donald Freed e
Arnold M. Stone, o filme é um monologo do ator Philip Baker Hall interpretando
o presidente americano Richard Nixon. O teto de Freed e Stone se concentra em
analisar um homem profundamente doente num momento de solidão. Hall é o único
ator do filme. Acompanhado apenas de uma gravação, uma arma e seu whisky.
Guardada as devidas proporções o filme lembra em certa medida mais “A Queda! ”
(2004) de Oliver Hirschbiegel e “Moloch” (1999) de Alexandr Sokurov no sentido
de analisar a psique de figuras políticas asquerosas em um momento de surto
íntimo do que comparações mais óbvias como “Nixon” (1995) do Oliver Stone e “Frost/Nixon”
do Ron Howard que também buscam vislumbrar uma análise de quem é Richard Nixon
sem cair em maniqueísmos mas sem desculpar ou justificar quem esse homem é. É
como entender que no mundo complexo e cheio de contradições que vivemos até monstros
escrotos são humanos mas ainda são monstros escrotos.
Dessa trilogia informal e pessoal sobre Nixon
“Secret Honor” para mim deve ser o filme que se sai melhor. Durante esse
monologo somos levados pela mente do presidente. Sua personalidade, vida
pessoal, supostos e imaginários inimigos, seus medos, paranoias, seus demônios,
tormentos, recalques, contradições, sua relação com a mãe, suas atitudes, seu
comportamento, seu complexo de inferioridade, seu ódio por si mesmo e por
todos. Nixon entre o patético e o assustador sem que uma coisa elimine a outra.
O filme faz questão de não mostrar Nixon com alguém simpático, deixando claro o
quão asqueroso ele é, mas observa o quão é triste e patético um homem que acaba
sozinho e destruído por ele mesmo e por todo um sistema que o criou. Acaba que
a fragilidade da situação não humaniza Nixon e sim faz que seja ainda mais
tenebroso observar seu deslocamento da realidade e como o sistema político
eleitoral alimenta figuras distorcidas e depois as descarta quando o que sempre
foi evidente fica “na cara”. E o filme expõe e aponta para essa doença
anunciada na psique de um homem no poder. Numa época como essa que estamos em
que vemos líderes eleitos extremamente doentes isolados no poder o filme de
Altman é quase algo premonitório de como são homens pequenos quando estão
sozinhos. Já imaginaram o Bolsonazi surtando e delirando sozinho mandando todo
mundo se foder? Eu já.
Altman abraça a raiz teatral da obra, mas consegue
passear de forma extremamente cinematográfica pelo filme deixando que sejamos
conduzidos pelo monologo de maneira sempre atrativa. Acaba sendo sempre
interessante observar os caminhos que a direção de Altman toma na movimentação
de passear por aquele homem falando sozinho fazendo com que não seja nunca
chato ver isso. Ele constrói um clima tão pessoal e mínimo ao mesmo tempo tão
claustrofóbico e gritante que conversa com o histrionismo do personagem central enquanto faz movimentos de câmera que expõe isso também visualmente em
enquadramentos que capturam todo aquele cenário em planos muito inteligentes daquela ambientação toda: os
quadros dos presidentes do passado, os monitores, as coisas que acompanham o
presidente e toda aquela sala ajudam na imersão de estar na mente daquele homem
enquanto somos levados por ela de um lado pro outro acompanhando de perto os passos de Nixon pelo filme de forma muito cinematográfica e sempre bem
pulsante.
O grande show do filme, porém é mesmo de um fantástico
Philip Baker Hall. Ator veterano, um desses artistas injustamente sempre
relegado a coadjuvantes, aqui ele teve sua primeira chance de brilhar no cinema
como protagonista absoluto e não desperdiçou. A composição que ele faz do seu
Nixon é brilhante, é muito complexa, poderosa, expondo com uma fisicalidade e
uma verborragia numa densidade tamanha do seu personagem que traduz tudo que o
filme quer passar da mente dele. É simplesmente o melhor retrato de Nixon no
cinema para mim. Muito curiosamente Hall felizmente teria a sua carreira
colocada em outro patamar ao receber papéis brilhante de Paul Thomas Anderson,
um cineasta extremamente influenciado pelo cinema de Altman, em filmes como
“Jogada de Risco” (“Hard Eighth”) e “Magnólia” onde deu atuações formidáveis.
Comentários
Postar um comentário