O MUNDO DE ILUSÕES DE "PRENDA–ME SE FOR CAPAZ" ("CATCH ME IF YOU CAN", STEVEN SPIELBERG, 2002)
Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.
"Where are you going tonight Frank? Some place
exotic?"
Pai e filho conversam num restaurante. De longe eles
parecem felizes. Alegres. Eles se amam. Amam estar juntos. Amam estar nesse
encontro. Mas por dentro algo muito triste ronda eles. Ronda a sua relação, o
que eles conversam e o desfecho disso tudo. Assim como ronda a atmosfera
daquele tempo aparentemente "tão melhor, tão mais alegre". Algo
triste atormenta o mundo desses homens. Esse mundo tão feliz, tão colorido e
tão vivo onde tudo "era mais fácil" na verdade não parece nada fácil.
Parece só uma redoma infestada por melancolia envolta. Só essa cena já
traduziria muito bem o que é "Prenda–me se For Capaz".
O Spielberg sempre foi um cineasta com um apreço
especial por um saudosismo e uma nostalgia de tempos que ele nem viveu ou então
não viveu profundamente mas procura olhar por um filtro sempre interessado e
fascinado.
Mais do que carinhoso com esses períodos – até
porque muitas vezes ao mesmo tempo que tem sim uma saudade também existe uma
melancolia tremenda que se soma com tudo isso – ele tem uma fome em como olha e
como filma o passado ou traduz sentimentos que parecem tão distantes.
Aqui ele conduz um jogo de ilusões onde o vigarista
Frank (Leonardo DiCaprio) além de ser ele mesmo uma ilusão também é o reflexo
das ilusões de um país. Esse Estados Unidos saltitante, leve e alegre
pré–Vietnã idealizado cheio de jazz, homens que usavam chapéus, mulheres que se
vestiam como esculturas, onde o cigarro e a bebida reinavam escondendo um vazio
permanente.
O mesmo vazio que consome Frank, esse belo e
charmoso golpista cheio de lábia e carisma, mas que no fundo é um menino
infeliz, carente e cheio de vazios existenciais frutos de uma casa triste
tentando preencher isso com golpes e identidades. Essas ideias da idealização
de um mundo e uma melancolia profunda – quase que como estivéssemos adentrando
no portão colorido de uma casa vazia – são levadas excelentemente bem por
Spielberg que aqui faz o seu filme mais "Hithcockiano" talvez no
sentido de administrar um cinema de entretenimento muito clássico de tensão mas
que se manifesta de maneira suave, cheia de humor e até sofisticada mas também
profundamente triste e diferente de outros filmes de Spielberg já que é
extremamente seco na sua tristeza. É uma abordagem quase como se "Ladrão
de Casaca" tivesse um subtexto narrativo do tamanho de um "Intriga
Internacional" com a melancolia metalinguística de "Janela Indiscreta".
Existe uma certa comunicação e conversa entre Frank,
esse Estados Unidos que o filme busca e o próprio Spielberg que são de
impressionar. Tanto o diretor quanto o golpista atravessam a ilusão, a
fantasia, a idealização, o sonho, uma realidade triste, a melancolia, a saudade
e a busca eterna por paternidade e por entendimento de um país enquanto
realização.
Se Frank faz tudo isso dando golpes, Spielberg faz
filmando a sua criatura. E como nos seus melhores filmes ele consegue dar
atenção a todos os detalhes de uma encenação cinematográfica dos mais diversos
jeitos: desde extrair o melhor do roteiro muito divertido e inteligente do Jeff
Nathanson principalmente nas brincadeiras de gênero com várias idas e voltas
que ele traduz quase que como estivéssemos e passeássemos numa viagem junto com
Frank e Carl pelo tom do longa, administrar uma montagem extremamente bem
pensada retratando justamente esse ritmo suave ao filme onde a duração passa
voando, fazendo o melhor do uso da trilha sonora fantástica de John Williams em
um dos seus melhores trabalhos, decupar cada cena de maneira precisa criando
planos onde até a forma que filma objetos assim como a forma que mexe a sua
câmera representam ideias diversas de contrastaste e desenvolvimento de
narrativa e dos personagens e de seus objetivos dramáticos enquanto linguagem –
os vários travellings movimentando a câmera na velocidade dos passos dos
personagens o que evidencia as conversas que o próprio diretor tem com a sua
criação (e ela com o seu universo) e o plano aberto marcando o estado agridoce
daquela relação "paternal" entre Frank e Carl num final lindo são só
alguns exemplos – e finalmente dirigindo um elenco em total sintonia onde um
jovem Leonardo DiCaprio já tem uma interpretação muito madura conseguindo
passar todas as nuances de um personagem extremamente complexo e tendo uma
química divina tanto com um ótimo Tom Hanks se divertindo horrores no papel e
um fantástico Christopher Walken que rouba a cena nas poucas vezes que aparece
por conseguir tão bem dar conta desse jogo de aparências que o filme quer entre
o exterior (o pai de família) e a verdade trágica que é extremamente comovente.
As participações especiais de Amy Adams (num dos
seus primeiros trabalhos de destaque antes de virar a queridinha de todos),
Elizabeth Banks, Jennifer Garner, Martin Sheen e outros só abrilhantam tudo.
No mundo de Steven a esperança em maior ou menor
grau sempre é possível e a busca de Frank, essa criatura que mescla fechadas
entre superfície e realidade, pra preencher os seus vazios se comunica muito
bem com a busca de Spielberg em investigar as várias potências de um mundo e um
cinema perdidos no seu imaginário entre uma terra de fantasia e uma depressão
sútil. Aqui ele consegue um dos melhores resultando dessa busca.
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