"O MESTRE" ("THE MASTER", PAUL THOMAS ANDERSON, 2012): ADENTRANDO O SENSORIAL | CRÍTICA

Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.

Quem é salvador e quem é salvo no final das contas? Existe salvação?

O cinema do Paul Thomas Anderson é um cinema de eterna construção, reinvenção e evolução. Sempre baseado em riscos. A construção não é apenas cinematográfica mas também se baseia em uma construção dele mesmo enquanto artista sempre em busca de reinvenção constante.
Resultado de imagem para paul thomas anderson the masterÉ fascinante observar seu caminho como artista começando construindo estudos de personagens muito influenciado pelo cinema de Robert Altman e até um pouco de Martin Scorsese (como em "Jogada de Risco"), construindo um estilo próprio por essas influências passando pelo momento em que sua ambição por escopo vai pra um caminho que investiga ações humanas dentro de um painel humano em filmes como "Boogie Nights" e "Magnólia" que podem caminhar tanto por um bom–humor amargo quanto por um desejo de entender épicos dramáticos.

Aí chegamos em "Embriago de Amor" onde ele se apropria desse estilo e influências já claros anteriormente para compor uma comédia romântica que só ele poderia fazer. "Sangue Negro" marca um ponto de rompimento do seu cinema. Usando temáticas clássicas de um épico americano ao melhor estilo John Huston, Orson Welles e até Kubrick Paul faz um filme que marca seu interesse por um novo caminho.
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Um caminho mais sensorial, livre, aberto, chegando a ser até experimental e indo pra uma espécie de libertação de trama lembrando o melhor do cinema Europeu lá pela década de 50 e 60 enquanto continua brincando com gêneros – seja a desconstrução do romance clássico em "Trama Fantasma" ou o neo–noir setentista em "Vício Inerente" – mas agora está livre pra traçar esse estudo de relações interpessoais humanas entre personagens, familiares, masculinidade tóxica, abuso, paternidade e os demônios da alma humana. Paul ignora a necessidade de uma prisão em tramas ou histórias sentido necessidade em explorar ao máximo os seus personagens, as relações entre eles, o psicológico de todos eles e fazer que o texto, o tom estético e cinematográfico das suas obras acompanhem o estado emocional dos seus personagens num domínio audiovisual pleno. "O Mestre" é o primeiro exemplo mais "puro" dessa sua fase e pra mim a consolidação máxima dele enquanto artista.

A narrativa de "O Mestre" se interessa em olhar lá no fundo da alma dos seus personagens. Vai indo de personagem em personagem sem concessões. Examina eles a fundo. Tempo, em um aspecto cronológico e como regra a ser seguida, é algo ignorado. O filme quer que entremos numa espécie de passeio visual e psicológico por almas humanas quebradas. Sonhos são vistos como realidade, e a realidade faz parte de um sonho. "O Mestre" é um estudo muito complexo que adentra a mente de um homem insano e quebrado que ao procurar ajuda descobre que talvez não seja o único com a mesma condição.
Resultado de imagem para the master movie smoking Esse conto sobre o veterano de guerra Freddie Quell (Joaquin Phoenix, perfeito no seu melhor papel), um homem atormentado e auto–destrutivo, se encontra com um líder de um culto religioso Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman, mais genial que nunca). Para fechar esse trio temos Peggy (Amy Adams fantástica), a complexa esposa de Dodd, os três juntos parecem representar conceitos da psicológica como o Id, o Super–Ego e o Ego respectivamente. É meio hipnotizante observar como o filme escapa de qualquer expectativa sobre trama ou até narrativa escapando sempre do caminho mais óbvio, uma suposta redenção de Freddie é substituída por uma análise de luta de poder. Ao mesmo tempo que o culto tenta ajudar Freddie e o personagem de Phoenix tenta ajudar o culto, percebemos lentamente o quão fundo Freddie está quebrado mas como o próprio Lancaster Dodd está afundando em seus próprios demônios e o seu relacionamento com seu culto talvez seja longe de algo óbvio como apresenta.

Os dois homens são um espelho distorcido deles mesmos. A relação dos dois passeia por uma conexão completa e retroalimentada. Eles são mestre e pupilo, melhores amigos, irmãos, pai e filho e talvez a coisa até passe por uma atração sexual e física. Freddie lá no fundo sabe que está envolvido com uma farsa mas precisa de Dodd porque é a única oportunidade que tem em sua jornada por paz enquanto Lancaster vê nesse homem quebrado uma especie de honestidade que o fascina num mundo de mentiras que ele constrói. Peggy que faz o papel de "esposa calada e submissa" na verdade é a grande mente daquele culto e sabe muito bem como se utilizar da persona do marido para chegar aos objetivos de sucesso do culto. Ela controla tudo inclusive o marido. Porém Freddie a assusta. Esse homem de aspecto e comportamento animalesco é a única coisa fora do seu alcance e ela não entende isso. Não gosta disso. Morto por dentro, Freddie é a única coisa capaz de mexer com Lancaster, também morto por dentro, enquanto a busca por religião pode resultar em um caminho verdadeiro ou só mais um fracasso que o impulsiona a outra caminhada ou outra percepção.
Resultado de imagem para the master cinematographyLancaster sinceramente quer a felicidade de Freddie e tem dúvidas sobre isso. Dúvidas sobre onde e como esse homem perdido será feliz. Dúvidas sobre se domar com mentiras um espírito tão particular que mexe tanto com ele é a resposta? É o certo? Seria o correto reproduzir a sua dor numa alma que mexe tanto com si? "O Mestre" também é sobre Dodd encontrando alguma verdade pela primeira vez na sua vida quando a força de um relacionamento com outro homem o faz confrontar o que faz e quem é.
Resultado de imagem para the master philip seymour hoffman photographyA busca de Freddie pela paz o leva a um caminho entre a derrota ou a auto–sobrevivência, o amor próprio, se libertar, se abraçar e talvez uma necessidade de acreditar em si mesmo. Seria melhor sofrer com quem você é ou enxergar outro lado disso? É possível ser o seu próprio mestre?

É uma viagem por uma masculinidade perdida e destroçada num caminho de duas vias.
Resultado de imagem para the master cinematography Chegar a ser meio irreal o quão o roteiro de Anderson é algo cheio de profundidade e camadas ao desenvolver aqueles personagens e todas as contradições e facetas das relações entre eles. É até brilhante como o filme consegue com Lancaster criticar esses líderes de seitas farsantes e mentirosos cercados de seguidores cegos e de uma estrutura perversa, gananciosa e hipócrita (coisa que ele também fez no brilhante "Sangue Negro" com o personagem do Paul Dano) assim como essa masculinidade distorcida e violenta de Freddie mas encontra uma humanidade impar em quem está naquele culto e quem são esses homens compreendo um processo de dor ainda mais complexo que só reflete essas repressões tão gigantes. Não existe julgamentos e sim um olhar amplo da alma e mente humana. Lancaster é um aproveitador, corrupto e mentiroso que causa a dor de seus seguidores (o que é ilustra tão bem numa cena dele em que a participação de Laura Dern acaba sendo vital) mas no final das contas também é um homem triste e perturbado com a mentira que vive o afastando de qualquer conexão real totalmente preso num mundo de mentiras que algoz e vítima. Já Freddie reproduz o pior da masculinidade, é extremamente violento, repulsivo e anti–social mas existe uma espécie de doçura infantil escondida nesse homem, traumas impenetráveis e uma busca pra conseguir fazer alguma conexão real ou um proposito que lhe dá algum conforto diante de toda dor. São dois homens cansados de uma dor que eles nem conseguem falar sobre e buscando um no outro algum tipo de sentimento que eles nem podem tocar. Paul Thomas Anderson não tem necessidade de maniqueísmos e quer na verdade traçar um olhar sobre personagens que vivem extremos de sentimentos entre si totalmente destrutivos.

A trilha sempre incrível do Jonny Greenwood reproduz esse tom perdido e desconfortável de Freddie até o encontro que muda a sua vida partindo pra acordes referentes a tensão que cerca o mundo que abarca esses encontros sempre batendo em nossa cabeça como se estivéssemos naquela tubulação emocional, a fotografia e a direção de arte capturam aquele período temporal de maneira tão exata dando um sentimento de saudosismo preciso ao mesmo tempo que Mihai Malaimare Jr. vai para um caminho de constate em que a estética bucólica e melancólica reforça o sentimento de eterna ressaca e auto–destruição existentes no filme todo, ao mesmo tempo que o Paul Thomas filma tudo tão lindamente se atento a cada plano, cada enquadramento, cada reflexo visual dessas mentes distorcidas com recursos que alimentam essa força imparável que ele tira dos atores como close–ups detalhados em seus rostos enquanto são brilhantemente dirigidos pelo cineasta.
Resultado de imagem para the master amy adamsAnderson reúne interpretações magistrais de Joaquin Phoenix, Philip Seymour Hoffman e Amy Adams. Phoenix está simplesmente maravilhoso dando uma fisicalidade única pra sua interpretação entrando de cabeça na insanidade indescritível do seu personagem, já Philip Seymour Hoffman se aproveita de toda a complexidade do seu personagem e faz uma composição feita de momentos de sutileza transmitindo um fascínio em cada momento em que está em tela e fazendo as suas explosões pontuais ainda mais fortes. Adams está excelente como essa força da natureza silenciosa e impecável. Sútil, sofisticada e assustadora na medida certa. Seu trabalho conjunto com Phoenix e Hoffman é majestoso.

"O Mestre" foge de expectativas, de dar respostas e nunca é o que parece, por isso ele nunca para de ser um estudo tão hipnotizante e visceral sobre as dores internas de uma masculinidade destroçada e sobre a jornada de Freddie por auto–conhecimento.

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