O SÉTIMO SELO (DET SJUNDE INSEGLET, INGMAR BERGMAN, 1957): ADEUS, MAX


Texto escrito por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza.

Em 2020 recebemos a triste notícia da morte aos 90 anos de um dos maiores atores da história, Max Von Sydow. Max fez uma das carreiras mais proveitosas e lendárias que um ator poderia fazer contribuindo tanto para cultura em geral quanto pro cinema de um jeito maravilhoso.
 Ele participou de obras incríveis na Suécia, sua terra natal, onde fez grandes trabalhos como por exemplo com o infelizmente pouco conhecido diretor Jan Troell com quem fez filmes debatendo temas históricos como imigração e nazismo sempre numa ótica realista, naturalista e de lirismo nas relações humanas com o tempo e natureza entre os personagens. Max em uma carreira memorável deu grandes atuações como “O Exorcista”, “Três Dias de Condor”, “O Escafandro e a Borboleta” e no emocionante “Pelle, o Conquistador” onde recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator. Teve uma carreira sempre versátil: foi Jesus, foi o diabo, foi vilão de 007, foi vilão de Flash Gordon, tem uma participação marcante num dos melhores filmes da era moderna do Spielberg e do Scorsese, entre inúmeras outras coisas, recentemente fez de “Star Wars” até “Game of Thrones”.

Dito tudo isso os grandes momentos da sua carreira, sua fama e seu prestigio com certeza se devem ao mesmo motivo dele ser um dos meus atores favoritos: a sua parceria com o cineasta Ingmar Bergman. Max e Bergman desenvolveram uma das grandes parcerias entre atores e diretores estando facilmente ao lado de outros tão gigantes como De Niro e Scorsese, Elia Kazan e Marlon Brando, John Wayne e John Ford, entre outras. Os dois começaram fazendo trabalhos no teatro junto até estabelecerem uma parceria no cinema que começou estrelando uma das suas obras–primas “O Sétimo Selo”. Os dois fizeram 11 filmes juntos onde Von Sydow foi um dos muitos alter–egos do cineasta ao falar como poucos o texto tão particular de Bergman assim como corporalizar uma expressividade e um físico único nesses filmes. Os protagonistas de Bergman refletem muito das suas próprias características e da sua própria masculinidade e eu percebo que os personagens do Max são o seu lado mais inseguro e depressivo talvez.
Talvez o Bergman seja o meu diretor favorito da vida hoje em dia parando pra pensar apesar dessas coisas sempre serem complicadas pra mim. E "O Sétimo Selo" foi a minha primeira experiência com o cinema dele e um dos muitos filmes que consolidou a minha vontade de estudar cinema (e morrer pobre etc etc). O cinema do Bergman me toca de maneira muito particular e quem sabe seja o cinema que eu mais me identifico num todo o que me fascina e assusta de jeitos muito fortes. Bergman tinha uma visão bastante pessimista e real da vida e da humanidade, questões existências da vida fascinam ele como a morte, as relações abismais e interpessoais de conflitos entre homens e mulheres, masculino e feminino, pais e filhos, mães e filhas, irmãs e irmãos, religião e a humanidade, a humanidade consigo mesmo, a humanidade e o sexo, auto–aversão, e por aí vai.

Os filmes do Bergman tratam da alma humana, os mais diversos conflitos psicológicos do tormento que é estar vivo e ter que lidar com a vida que refletiam os demônios pessoais que o próprio Ingmar tinha por nunca conseguir superar ou lidar bem com questões psicológicas e emocionais extremamente complicadas de traumas pelas relações abusivas e difíceis com o pais. Bergman abraça o existencialismo, o lirismo, a poesia, os enquadramentos em uma relação continua com os atores, sem nenhum medo e com força total observando os questionamentos da existência humana de uma forma única e terapêutica expondo em palavras e imagens uma luta pela sobrevivência contra o seu tormento.
 
De maneiras diversas Bergman abordou esses temas e fatores em sua obra sempre com um extremo alinhamento no trabalho de colaboração com sua equipe e seus atores. O mundo conheceu o cineasta, Max, sua equipe e parte da sua trupe em 1957 quando fez uma das suas primeiras de muitas obras–primas: "O Sétimo Selo", filme que abriu as portas para Ingmar. Sem dúvidas é o longa que consolidou o reconhecimento de Bergman inclusive internacionalmente e apresentou Von Sydow pro mundo. O filme conta a história de um cavaleiro interpretado por Max que volta para a Suécia depois das Cruzadas e encontra a sua terra destruída pela Paste Negra, a miséria e o desespero. Abalado pelo o que testemunha sua fé em Deus é abalada enquanto questiona o sentido da vida, é aí então que a Morte (Bengt Ekerot) surge para levá–lo já que aparentemente chegou a sua hora. Para ganhar tempo, o cavaleiro convida a Morte para um jogo de xadrez onde ele tenta ganhar tempo.

"O Sétimo Selo" se origina do medo do próprio Bergman da morte. Um medo que tomou conta dele totalmente. E o fez escrever sobre isso. Escrever como uma forma de lidar com os seus demônios de forma honesta, por pra fora e quem sabe se fazer algo produtivo com eles. Seu medo da morte e o seu desejo de entender a religião estão todos lá. Após escrever o roteiro o medo inerente da morte finalmente deixou de atormentar tanto o cineasta. Depois desse filme a morte continuou aparecendo claro principalmente logo depois, mas Bergman – na maioria das vezes – fez filmes mais para entender as relações humanas e quem ele era. Ele explorou seus defeitos, suas contradições, suas falhas, seus medos pessoais, suas lutas internas constantes, suas relações, seus problemas psicológicos, aqueles que estão ao seu redor, seu olhar da vida e colocou tudo isso em seu trabalho.
 Dá pra dividir facilmente a carreira até O Sétimo Selo e "Morangos Silvestres" e tudo que veio depois.

É difícil pensar em outras coisas depois de ver os planos e sequências que o filme constrói com tanta maestria. É tudo tão bem filmado e maravilhosamente bem escrito que é uma oportunidade única ir descobrindo a riqueza daquela história sendo contada aos poucos ao mesmo tempo que a cada revisão tem algo de mais genial em como ele fala da morte como algo insuperável. E é surpreendente como um filme tão profundo, complexo e denso é tão acessível de ser consumido e tem inclusive pedaços bem divertidos de humor espalhados por todo o longa. "O Sétimo Selo" é um desses filmes gigantescos na filmografia de um cineasta cheio de trabalhos gigantes.

Adeus Max, 1929–2020. Descanse em paz, cavaleiro.

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