“OS GUARDAS–CHUVAS DO AMOR” (1964): ROMANCE ENTRE REALIDADE E FANTASIA

Crítica escrita por Diego Quaglia.
Capa de Cid Souza. 

Chega a ser chocante pensar que um filme como “Os Guarda–Chuvas do Amor” que é tão colorido, bem-humorado, irônico, engraçado e terno ao retratar o primeiro amor, o relacionamento da juventude, é ao mesmo tempo dolorosamente realista, melancólico, triste e arrebatador ao falar desses amores que são separados apenas pelo curso da vida.

Não existe grandes vilões, monstros, missões, segredos ou grandes reviravoltas no caminho dos nossos protagonistas, apenas a vida e os cursos cruéis e naturais da história que os colocam em caminhos diferentes. Chegar a ser lindo o jeito que o Jacques Demy coloca toda uma paleta de cores que tomam o filme para si e uma direção de arte que emana a fantasia do musical que se junta claro a atores que cantam o filme inteiro enquanto a câmera dança e encontra proximidades diferentes com eles ao mesmo tempo que dentro de uma obra que abraça a fantasia do musical vemos a realidade mais crua e naturalista possível dos relacionamentos que sonhamos e que são desmoronados por culpa de absolutamente ninguém. Apenas da vida.

Catherine Deneuve e Nino Castelnuovo fazem um dos casais mais bonitos que eu já vi enquanto balançam realidade num mundo fantástico ao serem essas almas gêmeas que simplesmente tem que viver a vida e seguir em frente. O filme é muito sobre isso. Sobre como nada está em nossas mãos por mais apaixonados e sonhadores que sejamos.

Conforme a vida avança e o destino os separa, só reta viver e se adaptar a isso, conhecer a vida depois do primeiro amor e o que ela tem a apresentar, e o interessante é como o filme nunca pesa a mão no lamento e no destino que eles se desenvolvem e se encontram no ato final ao mesmo tempo que nunca elimina a dor da separação, o que faz que a cena final de Catehrine e Nino seja de embrulhar o estomago de tristeza. Não existem vilões e mocinhos, certo ou errado, apenas pessoas que foram tocados pelo destino, fizeram escolhas e tiveram que viver suas vidas. O amor não é uma obstinação divina determinada e nem algo que se apaga e está aí um filme que consegue dar conta da complexidade contraditória desse sentimento conforme o tempo.

É chocante e belo como um filme que te apresenta um mundo de imaginação sem restrições – que é a fonte de todo musical: a imaginação e a entrega à mundo inexistente onde pessoas dançam em conta – abandona idealizações e vai te adentrando de forma chocante, mas natural na vida como ela é. E sem forçar para nenhum lado. Sem nunca ser tolo, ingênuo e bobo, mas também sem jamais ser niilista, pessimista ou cínico no seu desfecho.

É um filme que rejeita essas armadilhas e é um dos mais inteligentes ao entender uma parte da vida que é simplesmente como é sem abandonar a fantasia inerente do seu gênero. É algo de aplaudir de pé mesmo pensar que o gênero considerado como um dos mais "escapistas" é responsável por uma das maiores encenações da realidade romântica. Jacques Demy sem dúvidas é uma das melhores descobertas que eu fiz esse ano e esse seu lindo filme tão bem construído em ser derradeiramente doce e amargo vai me acompanhar por muito tempo.

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